A Quarta Revolução Industrial e os Impactos nos Contratos de Emprego

Prefácio

Sempre que se tem a tarefa de fazer a apresentação de uma obra, vem ínsita a satisfação pela honra que seu autor concedeu ao prefaciante. No caso, o professor Rafael Henrique Dias Sales, advogado cearense, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/CE, brinda a doutrina com os estudos desenvolvidos no Mestrado em Direito da Universidade Federal do Ceará, quando obteve o merecido título de Mestre, em 2023, após defender com sucesso a dissertação intitulada “A quarta revolução industrial e os impactos nos contratos de emprego: da automação e inteligência artificial à uberização”. Compunham a banca examinadora este prefaciante, o prof. Rafael Marcílio Xerex (UNIFOR) e o prof. Rodrigo de Lacerda Carelli (UFRJ).

Trata-se de abordagem atual sobre um dos temas que desafiará ainda por muito tempo a doutrina, a jurisprudência, as práticas empresariais e as relações de trabalho. De fato, novas tecnologias chegaram e continuam chegando ao mercado, modificando a realidade da cadeia produtiva e as relações humanas subjacentes, pondo em xeque antigos conceitos e abrindo debates sobre o complexo de direitos e obrigações que surgem a cada dia.

Esta efervescência atinge em cheio o mundo do trabalho e toca o clássico conceito de “subordinação”. Há, inevitavelmente, o desafio de equilibrar as novas tecnologias com a capacidade de subsistência digna dos trabalhadores, uma preocupação que
chama a atenção dos governos e incita os estudiosos da matéria. O trabalho tecnológico e os algoritmos são cada vez mais frequentes e fazem parte de nossa realidade, chegando ao consumidor com a mesma rapidez. Isso muda não apenas o modelo produtivo, mas, também, as relações pessoais e profissionais. A inteligência artificial e a robótica não podem ser desconsideradas do contexto de aplicação do Direito do Trabalho.

O avanço tecnológico vem em saltos, de forma que os estudos a seu respeito carecem ser mais assertivos e mais rápidos. Uma conclusão válida hoje poderá não ter validade para amanhã, sem espaço de tempo suficiente para colocar em prática modelos recém desenvolvidos. Essa dinâmica, fruto da sucessão de mecanismos e soluções informatizadas, exige que a sociedade também acompanhe no mesmo passo as urgências e necessidades que vão surgindo e se perfazendo. É um sistema, de certo modo, autopoiético, que vê nascer seus problemas e ele mesmo proporciona respostas dentro da sua própria lógica. Resta saber se tais respostas são adequadas aos direitos sociais reconhecidos constitucionalmente e integrantes da pauta dos direitos humanos.

Uma destas realidades é o trabalho por plataformas digitais, em suas diversas emanações (ex.: trabalhadores por aplicativos), a ensejar um repensar nas relações de trabalho e em conceitos como o de subordinação e pessoalidade. A própria estrutura organizacional da empresa afeta a maneira como se desenvolve a triangulação trabalhador x empresário x consumidor.

Quem não seguir a lógica dessa nova estrutura tende a ficar para trás. É o que várias empresas tradicionais têm sentido, fomentando as adequações estruturais e organizacionais, não raramente promovendo dispensas em massa ao substituir mão de obra física por mecanismos automatizados.

Por outro lado, a automação a ser implementada precisa ocorrer dentro de certos padrões de responsabilidade social, como determina o art. 7º, XXVII, da Constituição brasileira, a fim de evitar os impactos deletérios da substituição indiscriminada da mão de obra por estruturas tecnológicas, geradoras da economia de compartilhamento ou economia sob demanda.

Apesar da necessidade de regulação do dispositivo constitucional, o texto normativo deixa antever limites ao legislador ordinário, que não pode olvidar a condição social dos trabalhadores nem a finalidade democrática e igualitária das relações laborais e econômicas. O princípio da máxima eficácia orienta que o texto constitucional tem, por si só, efeitos jurídicos, sociais e práticos, embora não completos, em razão da atividade complementar a ser desenvolvida pelo legislador ordinário. É preciso compatibilizar, então, a automatização com os fins sociais estabelecidos pela Constituição, sem prejuízo dos princípios da livre-iniciativa e da justiça social.

Entre os destaques da obra prefaciada, cita-se a abordagem didática e histórica da sucessão das várias revoluções industriais, que afetaram profundamente os meios de produção e as relações econômicas em todo o mundo.

O autor se esmerou em fornecer ao público leitor uma visão pedagógica deste fenômeno, que torna o respectivo capítulo leitura obrigatória a estudantes, profissionais e professores. E, de fato, conseguiu seu intento com muita competência e didatismo.

O livro apresenta análise histórica, sociológica, econômica e jurídica, passeando por diversas ações ajuizadas pelos legitimados, especialmente em controle de constitucionalidade. É que, em razão da complexidade das questões abordadas, os tribunais são demandados para apreciá-las, daí podendo nascer uma jurisprudência que abale ou revigore as estruturas do Direito do Trabalho no Brasil. É o caso, por exemplo, da uberização, em que o Tribunal Superior do Trabalho claudica em se posicionar a respeito, enquanto o Supremo Tribunal Federal sinaliza que não há relação de emprego e que, portanto, os conflitos nascidos dessa relação contratual fogem da competência da Justiça do Trabalho.

Mas o autor não para na análise jurisprudencial. Também investiga projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, os quais poderão regular a realidade do trabalho em plataformas digitais na condição de emprego, de trabalho parassubordinado ou, mesmo, autônomo. Este ponto merece acompanhamento diuturno, ante o movimento antípoda estabelecido entre os sindicatos e as empresas do setor econômico. A verdade é que a realidade atual receberá tratamento muito específico sobre o tema, pondo em xeque os limites da aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho. Não se pode, mesmo, descartar que uma nova categoria de trabalhadores esteja nascendo.

Se, por um lado, os empregos estão minguando, cresce, por outro, a consciência de que o poder público e as empresas possuem responsabilidade social na definição dos direitos que circundam e que farão parte do patrimônio jurídico dos trabalhadores, a exigir um repensar nas técnicas de desenvolvimento do trabalho humano, na redação da jornada, na forma de remuneração etc.

O mundo do trabalho mudou e continua mudando. Disso não há dúvidas. Então, estudos da estirpe do que ora se tem em mãos se tornam cada vez mais necessários. Por isso, o livro objeto deste prefácio é um degrau da longa pesquisa que seu autor intenciona desenvolver nas etapas seguintes de sua vida acadêmica, a qual trilha com muita atenção, dedicação e seriedade.

Sem dúvida, é uma obra de leitura altamente recomendável.

 

Francisco Gérson Marques de Lima

Professor Associado da UFC, Subprocurador-Geral do Trabalho, coordenador do
Projeto GRUPE - Grupo de Estudos em Direito do Trabalho.

 

 

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