A Quarta Revolução Industrial e os Impactos nos Contratos de Emprego
Introdução
A Constituição Federal (CF) de 1988 garante no art. 7º, XXVII o direito da classe trabalhadora à proteção em face da automação. Todavia, até hoje, esse dispositivo ainda não foi regulamentado, o que traz uma série de incertezas sobre o futuro dos empregos, em face do acelerado processo de avanço tecnológico trazido pela quarta revolução industrial, em especial no que tange à robótica, à inteligência artificial e à automação.
Não bastasse, outro forte impacto da quarta revolução industrial nos contratos de emprego diz respeito ao acelerado surgimento de novos modelos de negócios disruptivos, que têm gerado, em especial a partir do desenvolvimento da economia do compartilhamento, novas formas de contratação, sem o elemento — ou pelo menos tentando “maquiar” a sua existência — da subordinação, que é um dos requisitos essenciais para caracterizar uma relação de emprego. Sem este requisito, todo o rol protetivo constitucional, previsto no art. 7º e demais da CF, deixa de ser aplicado a estes novos grupos de trabalhadores, formando assim o precariado, em razão de possuir proteção jurídica em patamar inferior aos tradicionais proletários que gozam da tutela jurídica dos contratos de emprego tradicionais.
Mas como resolver esta problemática? Com o arcabouço jurídico hoje existente, é possível trazer proteção à classe trabalhadora e assim cumprir os dispositivos constitucionais? Como evitar que novas roupagens de negócios justifiquem o afastamento de proteção constitucional? Essas problemáticas resumem o escopo deste livro, que abordará as seguintes hipóteses:
1. Se não houver regulamentação do art. 7º, XXVII da CF, poderá haver aumento no número de desempregados, em face dos avanços tecnológicos;
2. Se não houver regulamentação do trabalho em plataformas digitais, poderá haver trabalhadores sem os direitos fundamentais trabalhistas estabelecidos na CF.
É preciso destacar que, por questão de organização metodológica, o autor abordou as repercussões sociológicas e econômicas ocasionadas pelo descompasso entre o avanço de novas tecnologias e o ocaso dos trabalhadores, o que historicamente sempre gerou tensões sociais e políticas.
Assim, na primeira parte da obra é feita uma análise histórica das revoluções industriais anteriores, a partir dos relatos de Friederich Engels, Eric Hobsbawm, Leo Huberman, entre outros, até se chegar à atual quarta revolução industrial, conceituada por Klaus Schwab. Nestes tópicos serão abordadas as repercussões sociais e econômicas de cada época, bem como o avanço jurídico que precisou ser feito para proteger o modelo capitalista que se desenvolvia, garantindo mínimos direitos aos trabalhadores.
Na sequência, é trazido um panorama geral da quarta revolução industrial e o que ela tem gerado de preocupações ao cotidiano da classe trabalhadora. O principal referencial teórico desta contextualização foi a obra de Klaus Schwab. No primeiro tema macro das repercussões da quarta revolução industrial nos tradicionais contratos de emprego, é feita uma abordagem sociológica e jurídica que traz as preocupações da substituição dos empregados humanos por máquinas, sendo utilizadas as doutrinas de Martin Ford, Yuval Noah Harari, Kai-Fu Lee, dentre outros, desaguando na análise jurídica, especialmente com viés constitucional, da não regulamentação do art. 7º, XXVII da CF. A partir da doutrina de José Afonso da Silva, foi abordada a eficácia do dispositivo constitucional acima e os prejuízos da sua não regulamentação. Foi feita uma análise dos projetos de lei que foram apresentados desde 1989 até 2019, na tentativa de regulamentar o texto constitucional, com as contribuições da leitura de Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante.
Além disso, foi feita uma análise semântica e interpretativa a partir da nova hermenêutica constitucional, para verificar se a palavra “automação”, inserida no texto constitucional em 1988, ainda tem o mesmo significado e se, a partir do conceito de mutação constitucional desenvolvida pela doutrina alemã ou do conceito de interpretação integradora de Raimundo Bezerra Falcão, seria possível dar nova leitura sem que haja necessidade de modificação do texto constitucional.
Foi também estudada a possibilidade de Mandado de Injunção ou de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, para que finalmente haja a máxima efetividade ao dispositivo constitucional.
Na sequência, foram realizadas discussões em torno do segundo macro desdobramento da quarta revolução industrial nos contratos de emprego, que passa pelo desenvolvimento da denominada economia do compartilhamento, ou economia sob demanda, ou economia de bico, ou ainda trabalho intermediado por plataformas digitais, que visam dar nova roupagem às formas de contratação e prestação de serviços, desconstruindo assim as tradicionais formas de emprego e, em razão disso, buscando afastar todo o aparato protetivo previsto na Constituição Federal. Nesse trecho, foram utilizadas as obras de Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Gérson Marques de Lima, em especial no que tange às formas de investida do capital sobre os tradicionais contratos de emprego, visando uma desregulamentação do direito do trabalho.
Foi feita pesquisa na doutrina especializada, para traçar os argumentos a favor e contra a existência de vínculo de emprego, bem como o apontamento dos possíveis caminhos a serem trilhados, com análise de projetos de lei que estão em andamento. Com relação a este trecho, foram valiosas as contribuições, dentre outros, de Natália Marques Abramides Brasil, André Gonçalves Zipperer, Eliete Tavelli Alves, Murilo Carvalho Sampaio Oliveira, Rodrigo Carelli e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante.
Já próximo ao fim, foi feita uma breve análise sociológica e jurídica do precariado e feito um levantamento do que a Organização Internacional do Trabalho — OIT espera do futuro do trabalho, bem como do trabalho em plataformas digitais, com destaque para as 21 diretrizes que as legislações devem abordar. O principal referencial teórico desse trecho é o inglês Guy Standing, um dos precursores do estudo neste assunto, além de Ricardo Antunes.
Ainda nas questões metodológicas, registre-se que, para se chegar aos resultados, foi feito um levantamento bibliográfico das temáticas relacionadas, em especial sobre as quatro revoluções industriais e sobre suas respectivas consequências para o contexto social quando de suas eclosões.
Além disso, buscando dados da realidade atual, foi feito um levantamento de pesquisas empíricas, destaque para os dados abordados por Ludmilla Costhek Abílio, Gabriela Neves Delgado e Bruna Vasconcelos de Carvalho, com dados como a jornada de trabalho e remunerações dos trabalhadores das plataformas tecnológicas, frutos da quarta revolução industrial, buscando assim fazer um paralelo pra saber se é melhor para o(a) obreiro(a) o emprego tradicional ou o trabalho em plataformas digitais, além de buscar entender se há uma estabilidade no sistema ou se pode haver uma sobrecarga de oferta de mão de obra, com a consequente piora nas condições de jornada e remuneração.
Partindo então dos referenciais teóricos acima apontados, foi utilizado o método dedutivo e, após realização das pesquisas bibliográficas, foram feitas as conclusões, que buscaram objetivamente responder se o aparato protetivo dos trabalhadores brasileiros está em risco, em especial em face do processo de automação desencadeado pelas tecnologias disruptivas da quarta revolução industrial, bem como em face do desenvolvimento de novos modelos de negócios que buscam vestir os contratos de labor com uma nova roupagem.
A hipótese que foi abordada, já destacada acima, é que se a quarta revolução industrial não tiver a devida atenção, com a realização das necessárias regulamentações, pode haver graves retrocessos nos direitos fundamentais da classe trabalhadora, nos dois moldes macro já referenciados acima.
Feitas estas observações metodológicas introdutórias, destaque-se que desde a primeira revolução industrial, quando as máquinas passaram a fazer parte do cotidiano dos trabalhadores, de início facilitando a execução dos serviços e melhorando a produtividade, as inovações tecnológicas passaram a constar no cenário da cadeia de produção, muitas vezes diminuindo o esforço humano, mas, em contrapartida, trazendo incertezas para o modelo de sociedade de trabalho que havia se desenvolvido até então.
Em leituras de densidade sociológica, como na clássica obra A situação da classe trabalhadora na Inglaterra de Engels, é possível perceber que de início as máquinas foram boas aliadas dos trabalhadores, já que a produção era descentralizada e o maquinário possibilitou que tecelões aumentassem muito sua produção, que geralmente era feita em suas próprias residências.
Mas o que veio a seguir, quando os primeiros capitalistas iniciaram o processo de centralização das máquinas nas primeiras grandes indústrias, e com a consequente diminuição das demandas para os pequenos produtores autônomos, foi o início de uma degradação da qualidade de vida dos trabalhadores, que, sem opção, começaram a migrar para os novos centros urbanos que iam se formando ao redor das grandes fábricas, passando a aceitar remunerações e jornadas de trabalho degradantes.
A piora na qualidade de vida causada pelo avanço das máquinas, algumas décadas mais à frente, fez com que surgisse um movimento de trabalhadores insatisfeitos liderados por Ned Ludd, por isso o movimento foi chamado “ludista”. Na época, os trabalhadores tentavam melhorar as condições laborais e, caso não fossem atendidos, simplesmente destruíam todas as máquinas da fábrica.
A lembrança ao movimento ludista, ocorrido ainda durante a fase da primeira revolução industrial, é para destacar que os avanços tecnológicos, se negligenciarem o fator social envolvido, podem causar instabilidades políticas e econômicas, gerando caos social.
Fazendo um paralelo com o contexto social mais recente, quando a empresa Uber chegou ao Brasil em 2014, passaram a ser recorrentes as notícias de trabalhadores que prestavam serviços para a empresa e que eram agredidos fisicamente por taxistas, que não se conformavam em perder espaço para os trabalhadores que estavam utilizando essa nova tecnologia. É fato notório que a empresa utilizou grande verba de marketing para convencer as pessoas que o serviço prestado era melhor e mais barato do que o táxi. Além disso, a Uber passou a travar verdadeiras guerras jurídicas contra os municípios, que buscavam trazer restrições em suas legislações, buscando de alguma forma mitigar a utilização dos serviços da empresa.
Em termos práticos, a ideia de pagar por um serviço melhor e mais barato acabou convencendo a maior parte da população, sendo que os taxistas tradicionais foram os grandes prejudicados pelo advento da nova plataforma tecnológica. Essa questão que envolve a empresa Uber, um dos maiores símbolos da chamada economia do compartilhamento, que vem crescendo dentro do contexto da quarta revolução industrial, transmite a mensagem de que novas tecnologias dificilmente são barradas.
Um dos grandes problemas que vem surgindo dentro desse contexto de novas tecnologias disruptivas é que a regulamentação estatal atual não resolve uma série de situações, como, por exemplo, a celeuma de definir se os trabalhadores que prestam serviços por intermédio de aplicativos são ou não empregados.
Considerando o cenário brasileiro, é preciso lembrar que os quatro requisitos da relação de emprego constantes nos arts. 2º e 3º da CLT: onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, foram consolidados em 1943, quando a principal forma de contratação eram os tradicionais contratos de emprego em indústrias e comércios.
Passado todo esse tempo, tem sido questionado se essa nova forma de contratação pode ser enquadrada como relação de emprego. Do ponto de vista constitucional, vale lembrar que está em jogo a aplicação ou não de todo o rol de normas fundamentais protetivas estabelecidas no art. 7º da Carta Magna de 1988, além de outros direitos trabalhistas espalhados pelo texto constitucional, na CLT, em normas esparsas e até mesmo de instrumentos coletivos de trabalho, que também possuem guarida constitucional no art. 7º, XXVI.
Outro ponto importante ligado à quarta revolução industrial é a constante evolução das máquinas que substituem vários empregos humanos, em especial o exponencial avanço que a Inteligência Artificial — IA, a robótica e a automação vêm tendo nos últimos anos, o que traz de volta à tona a dúvida se essas novas tecnologias irão culminar em mais desemprego ou se poderão auxiliar na criação de novos modelos de negócios e postos de trabalho. Vale lembrar que a Constituição Federal possui dispositivo, até hoje ainda não regulamentado, mas com projetos de lei em tramitação, que visam proteger os trabalhadores em face da automação, conforme art. 7º, XXVII.
Além disso, para se chegar às respostas esperadas, é necessário fazer um breve resgate histórico de cada uma das três revoluções industriais anteriores, o que elas representaram em termos de avanços tecnológicos e suas consequências para o modelo de trabalho de suas épocas, até se chegar no atual cenário da quarta revolução industrial, quando será feito um mapeamento das tecnologias disruptivas que estão repercutindo e que ainda irão repercutir nos atuais contratos de emprego, e quais as direções possíveis para que os problemas surgidos sejam solucionados.
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