Negócio Jurídico Processual na Justiça do Trabalho

Prefácio

A alegria de prefaciar um livro que é fruto de pesquisa no mestrado ou doutorado é renovada a cada convite recebido; e, no caso desta obra, intitulada “Negócio jurídico processual na Justiça do Trabalho”, de autoria de Gabriel Henrique Zani Furlan, não foi diferente. Trata-se da versão comercial da dissertação de mestrado defendida perante exigente banca examinadora no programa de pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob minha presidência, na condição de orientador do candidato, aprovada sem restrições e com recomendação para que fosse publicada.

Nesta obra, mestre Gabriel Henrique Zani Furlan enveredou por um tema que permaneceu esquecido durante muitos anos, em que o negócio jurídico processual não despertava o interesse dos estudiosos enquanto fonte formal do direito. Assim, a partir da perspectiva do art. 190 do atual Código de Processo Civil, o autor procura descortinar a aplicação do negócio jurídico processual no âmbito da Justiça do Trabalho, cujas hipóteses deixaram de estar adstritas a algumas situações típicas expressamente indicadas no Código anterior, que alcançavam basicamente a suspensão do processo por convenção das partes, a convenção sobre ônus da prova e o foro de eleição, sendo estas duas últimas para situações que não envolviam as típicas reclamações trabalhistas.

A possibilidade do negócio jurídico processual, estabelecida como cláusula geral no art. 190 do Código de Processo Civil e aplicável aos processos que versam sobre direitos que admitem a autocomposição, é um divisor de águas no direito processual, ramo do direito público por excelência e marcado por normas de natureza cogente. A inovação legislativa está em perfeita sintonia com os princípios que norteiam o direito processual moderno, no qual se verifica o protagonismo das partes litigantes, que se tornam corresponsáveis para que a tutela jurisdicional seja dispensada em prazo razoável, com decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º do CPC).

Lembra-nos o autor que, no processo perante a Justiça do Trabalho, uma hipótese típica de negócio jurídico processual está consagrada no art. 789, § 3º, da CLT, que permite às partes convencionarem sobre o pagamento de custas na hipótese de acordo. No entanto, reconhece que não se pode desprezar a possibilidade dos negócios jurídicos processuais atípicos, por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil na seara trabalhista (art. 769 da CLT c.c. art. 15 do CPC), fundado no dever de cooperação e no princípio dispositivo, sem olvidar os princípios que são peculiares ao processo trabalhista.

Neste sentido, verifica-se a necessidade de sopesar o óbice que emerge do art. 190, parágrafo único, do CPC, que alude ao controle judicial das convenções que estabelecem o negócio jurídico processual quando se tratar de inserção abusiva em contratos de adesão ou nas situações em que se observa manifesta situação de vulnerabilidade de uma das partes. Enfim, a reflexão trazida nesta obra permite a conclusão de que não merece prosperar a vedação açodada do art. 2º, II, da Instrução Normativa n. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, na medida em que referido instituto pode ser bem aproveitado no âmbito da Justiça do Trabalho, com destaque para as situações que emergem da ampliação de competência a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004.

A dificuldade para a aplicação do art. 190 do CPC ao processo trabalhista foi enfrentada pelo autor, no capítulo 4 deste livro, sem olvidar a orientação da Instrução Normativa n. 39/2016 do TST, que veda expressamente a negociação processual atípica. Em síntese, a aplicação do negócio jurídico processual na Justiça do Trabalho está perfeitamente amparada no pressuposto da lacuna normativa (art. 769 da CLT c.c. art. 15 do CPC), não se podendo presumir a vulnerabilidade de uma das partes em todas as situações, motivo pelo qual não se cogita da incompatibilidade que emerge dos princípios do direito processual do trabalho.

A própria legislação trabalhista, ao estabelecer que o empregado com salário superior ao dobro do teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social e formação em nível superior pode negociar individualmente com seu empregador acerca de questões que dependem da tutela sindical para a grande maioria dos trabalhadores, afastou a presunção de vulnerabilidade. Se o trabalhador não é vulnerável no âmbito do direito material, não tem sentido afirmar que ostenta invariavelmente essa condição no âmbito processual, o que amplia a possibilidade do negócio jurídico processual.

Trata-se, pois, de obra que abre caminhos para outras pesquisas dentro da mesma temática e que enriquecerá o repertório do leitor exigente, que não se conforma com posições herméticas sem a necessária reflexão e questionamento. Parabéns ao nosso jovem autor, Gabriel Henrique Zani Furlan, por este seu primeiro livro, e cumprimentos à Editora LTr por mais esta publicação que envolve tema atual e relevante. Desejo boa leitura a você, que se interessou por este prefácio e que terá o privilégio de ótimas reflexões a partir desta obra de agradável leitura.

São Paulo, 29 de dezembro de 2023.

Adalberto Martins

Professor Doutor da Faculdade de Direito da PUC/SP.
Desembargador aposentado do Trabalho no TRT-2ª Região.

 

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