Manual de Direito do Trabalho Desportivo
Introdução
É sempre muito gratificante poder falar sobre temas que envolvem duas paixões: o direito e o esporte. A união de ambos é uma combinação mágica, que desperta aquelas mesmas sensações de uma competição esportiva, com disputas e teses muito acirradas. Assim como o futebol, o Direito do Trabalho-Desportivo, guardadas as devidas proporções, também desperta paixões e suas interpretações e conclusões, muitas das vezes, não se baseiam apenas em definições cartesianas.
A Lei Pelé é a responsável por disciplinar a atividade do atleta profissional, na medida em que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), traz disposições que são incompatíveis com a Lex Sportiva. Daí porque a aplicação da CLT no contrato de trabalho do atleta se dará, sempre, de forma subsidiária. Na omissão da lei especial — a Lei Pelé —, mesmo assim, a aplicação da CLT será possível quando não houver incompatibilidade com os preceitos nela estabelecidos.
Infelizmente em menos de duas décadas de vigência a Lei Pelé vem sendo constantemente reformulada e já sofreu quase dez alterações.
Já é tempo de uma revisão abrangente por meio da criação de uma Lei do Desporto Brasileiro, que contemple não apenas a relação jurídica de emprego do atleta profissional, mas que também alcance a regulação da prática desportiva e normas de defesa e proteção do torcedor.
No presente livro são trazidos conceitos e princípios básicos de Direito do Trabalho-Desportivo que deveriam ser estudados por acadêmicos de Direito por meio de uma disciplina autônoma nas Universidades do Brasil.
O meu primeiro contato com o Direito do Trabalho-Desportivo se deu no ano de 2002 quando eu trabalhava no escritório Bosisio & Maués, banca especializada em direito do trabalho e que tinha à frente dois ilustres advogados e que se tornaram meus amigos, além de terem contribuído para a minha formação como profissional, o Dr. Carlos Eduardo Bosisio e o Dr. Henrique Cláudio Maués.
Foi naquela época que o escritório passou a defender o Clube de Regatas Flamengo perante a Justiça do Trabalho. Não havia uma quantidade muito expressiva de ações trabalhistas (principalmente considerando que naquela época advogávamos para inúmeras empresas, com um volume aproximado de 20.000 processos no escritório). Contudo, os processos movidos em face do clube eram muito interessantes e pitorescos.
A primeira contestação que eu fiz para o clube dizia respeito a um pedido de equiparação salarial entre o médico responsável pelo time de futebol e o reclamante, responsável pelo departamento médico do time de basquete.
O autor da ação não se conformava em receber salário quase cinco vezes inferior ao do modelo e em razão disso alegava discriminação, afinal ambos eram médicos das equipes do clube. Todavia, o paradigma era um renomado médico que inclusive prestava serviços para a seleção brasileira de futebol, fato este que, por si só, já seria suficiente para fulminar o pedido. A ação foi julgada improcedente em todas as instâncias.
Apesar de todo o glamour que envolve a atividade do atleta profissional, existem dados preocupantes que demonstram a necessidade de uma proteção especial para este tipo de empregado.
De acordo com Jones Rossi e Leonardo Mendes Junior(2) , “abaixo da linha do oceano” se esconde uma realidade sem nenhum atrativo, na qual o padrão é conviver com salário de fome, pagos quase sempre com atraso. Maratonas de jogos expõem os atletas a constantes lesões que podem encurtar a carreira e, quando estão nas categorias de base, há relatos de abuso sexual. Ainda de acordo com os autores mencionados, dos 30.784 jogadores registrados no Brasil, 82% recebem, no máximo, 2 salários mínimos, enquanto que o salário médio base do brasileiro é de 3,3 salários mínimos. Além disso, apenas 2% dos jogadores recebem mais do que 12,4 mil reais por mês.
Conforme mencionado acima, a CLT não traz dispositivos necessários para solucionar as intrincadas questões que envolvem o contrato de trabalho de atleta e seu clube empregador. Atualmente, até mesmo a Lei Pelé é omissa em vários pontos, conforme será tratado no presente livro, no qual tive a ousadia de sugerir algumas previsões de alteração legislativa.
O surgimento de entidades destinadas ao estudo do Direito do Trabalho-Desportivo tem dado uma maior notoriedade ao tema. Refiro-me, especialmente, à Academia Nacional de Direito Desportivo, que foi criada em Brasília no dia 24 de setembro de 2013 e muito tem contribuído para o aprimoramento da legislação desportiva no Brasil. Até o momento a ANDD já realizou sete JURISPORTS, em diversas cidades brasileiras, com a finalidade de debater temas caros ao Direito do Trabalho-Desportivo, fazendo com que o Juiz do Trabalho se interesse ainda mais pelo tema e dedique especial atenção às causas jusdesportivas que não podem ser tratadas como causas comuns de empregados e patrões.
Além disso, a ANDD realizou, em março de 2016, o seu primeiro evento internacional, o JURISPORTS-Roma, com a finalidade de interagir com juristas do trabalho da Itália e compartilhar experiências.
Certamente o Direito Desportivo atravessa um momento especial e muitos conceitos e princípios estão sendo debatidos com a finalidade de resguardar essa especial relação de trabalho, contribuindo, inclusive, para a realização do espetáculo da melhor maneira possível.
Particularmente eu me sinto realizado em poder escrever e falar sobre o tema ora em debate. As inúmeras palestras que tive o privilégio de proferir me propiciaram conhecer diversos pontos de todo o Brasil, fazer novos amigos e interagir com realidades distintas. De igual forma, tive a oportunidade de fazer o lançamento dos meus outros livros, todos editados pela LTr, no Brasil, em Portugal e na Itália.
Destaco a importância das discussões travadas no âmbito da Academia que proporcionaram a busca por alternativas e melhores soluções para essas delicadas questões que envolvem o contrato de trabalho do atleta profissional.
A relevância da prática desportiva se manifesta com notoriedade suficiente a atrair uma audiência, sem dúvida, de grandes proporções.
Tudo isso recomenda um especial aprimoramento das instituições voltadas para esse fim. É um privilégio continuar a escrever sobre o assunto e, neste momento, apresentar um Manual de Direito do Trabalho — Desportivo, razão pela qual, espero que a presente obra contribua para uma reflexão sobre o estudo de um tema tão polêmico no despertar de paixões.
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• Nota à 4ª Edição
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