Teoria Jurídica da Liberdade Sindical
Prefácio
O advogado PAULO ROBERTO LEMGRUBER EBERT já é bem conhecido do mercado editorial brasileiro, em razão de variegadas obras e estudos publicados no curso dos últimos anos, sempre com expressiva qualidade e estilo único. Citem-se, entre tantos, os excelentes “Sindicato mais representativo e mutação constitucional: uma proposta de releitura do art. 8o, II, da Constituição Federal” (LTr, 2007) e “Mora legislativa em matéria trabalhista: O caso paradigmático do aviso prévio proporcional” (LTr, 2014). Paulo Lemgruber é doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob minha orientação; é especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília; é também especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília; é pesquisador-líder do Grupo de Pesquisas e Extensão “Meio Ambiente do Trabalho” (GPMAT), da Faculdade de Direito da USP, que coordeno como docente, e para cuja formação/formalização Lemgruber foi essencial; e é também pesquisador associado do Grupo de Pesquisas “Constituição, Trabalho e Cidadania”, da Faculdade de Direito da UnB.
Esta obra, porém, ainda não é conhecida do grande público. E, como de hábito (considerando-se a boa cepa e a excelência de sempre), mas também com rara oportunidade (mercê dos novos horizontes políticos que se desenham na República Federativa do Brasil, quiçá mais gentis para com o Direito do Trabalho), é bom que seja.
Este “Teoria jurídica da liberdade sindical: A proteção contra os atos antissindicais e antirrepresentativos” é o produto final da tese apresentada por Lemgruber à Egrégia Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e que lhe valeu, em 2016, o já referido título de Doutor em Direito do Trabalho. À altura, foi examinado por rigorosa banca docente que, sob a minha presidência, soube honrar e valorizar a seriedade do estudo que tinha diante de si. Compuseram-na a Prof.a Yone Frediani (FAAP), o Prof. Antonio Rodrigues de Freitas Júnior (USP), o Prof. Homero Batista Mateus da Silva (USP) e o Prof. Menelick de Carvalho Netto (UnB). Esse seleto grupo dedicou-se, ao longo de mais de quatro horas de arguição, à testagem sistemática das principais ideias ora vertidas, em todas as dimensões possíveis e úteis, do campo metodológico ao hermenêutico, passando pela necessária análise política e econômica de viabilidade das proposições mais ousadas. E a tese sobreviveu. Mais do que isso: afirmou-se.
Será, a partir de agora, referência para inúmeros outros estudos de mesmo pendor. Desdobrando os conteúdos de sua pesquisa, Lemgruber parte da força normativa dos princípios que estatuem direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito — em uma abordagem que, diga-se, fia-se nas mesmas raízes tão bem expostas por K. HESSE (“Die Normative Kraft der Verfassung”), mas não se reduz a ele — para discutir as diversas concepções doutrinárias em torno dos princípios e dos direitos fundamentais (nomeadamente, a positivista clássica, as “neoconstitucionalistas”, a axiológica e a deontológica dos direitos fundamentais).
A partir desse arcabouço compreensivo, passa a considerar a liberdade sindical como direito fundamental e como princípio dotado de força normativa, examinando-a desde os seus antecedentes histórico-conceituais até a sua consolidação no direito internacional, sem descurar das circunstâncias políticas que antecederam a criação da Organização Internacional do Trabalho; e, por fim, aporta na tessitura normativa que hodiernamente molda as discussões sobre a liberdade sindical, incluindo o art. XXIII da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), as Convenções ns. 87 (1947), 98 (1949), 154 (1981) e 158 (1982) da OIT, o Protocolo de San Salvador da OEA (1988) e, mais recentemente — já sob a inflexão que a OIT engendrou, no final do século XX, em direção à soft law —, a Declaração de Princípios Fundamentais da OIT (1998), a Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa (2008) e o Pacto Mundial para o Emprego (2009). A seguir, o debate é recomposto sob as balizas da realidade jurídica e socioeconômica nacional, desde a abolição da escravatura, a fase protoindustrial da economia brasileira e o subsequente advento do Estado Novo até a dita Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n. 13.467/2017), que levou, nas palavras do autor, à “asfixia das entidades sindicais”. Na sequência, como contraponto axiológico e alternativa jurídico-argumentativa para esse estado de coisas, Paulo Lemgruber redescobre, a partir de explícitas e sólidas linhas dworkinianas, o conteúdo histórico-institucional do princípio da liberdade sindical, com suas repercussões de trato individual e coletivo. Em suas próprias palavras,
[...] o conteúdo do princípio da liberdade sindical consagrado na Constituição Federal de 1988 como uma instituição dotada de um conteúdo historicamente definido é formado em seu plano individual pelo direito conferido aos trabalhadores e aos empregadores à criação de entidades sindicais — dentro dos limites formulados pela regra da unicidade por categoria profissional na base territorial mínima de um município — bem assim pelas faculdades de livre filiação, participação e desfiliação titularizadas pelos obreiros e pela proteção de tais atores contra os atos antissindicais; [...] No plano coletivo, a garantia em referência tem por conteúdo histórico-institucional reconhecido pela Constituição Federal de 1988 os direitos à livre organização e administração, bem como as garantias de ação sindical — a incluir o direito à definição dos motivos pertinentes à deflagração da greve — e de filiação a outras organizações representativas nacionais e internacionais e, ainda, a tutela contra a interferência governamental em seus assuntos internos e contra a ingerência recíproca das entidades de trabalhadores e empregadores umas nas outras; [...]
E, ademais,
[...] à luz do conceito de integridade a caracterizar a concepção deontológica dos direitos fundamentais, pode-se dizer que o reconhecimento em torno da proteção das representações unitárias e sindicais dos trabalhadores nos locais de trabalho constitui um capítulo adicional à trama da liberdade sindical, cuja elaboração logrou a atualização da concepção ideológica originária do franco associativismo; [...]
Restaria discutir, talvez, sem excessos historicistas, os conteúdos juridicamente possíveis e razoáveis — ou, dir-se-ia no jardão alexyano, proporcionais — de cláusulas gerais como “livre organização e administração sindical”, “tutela contra a interferência governamental” ou “proteção das representações unitárias e sindicais”. Mas esse é outro debate. Lemgruber também dedica todo um capítulo ao necessário estudo da dogmática dos atos antissindicais e antirrepresentativos — que, aliás, correta e precisamente distingue —, estabelecendo novos marcos para a retormada do debate em torno da regulamentação da matéria no Brasil (que, espera-se, virá brevemente, sob ventos designadamente “trabalhistas”, soprando forte a partir das eleições presidenciais consumadas em 30 de outubro p.p., para o gáudio dos democratas). Em sua visão, à qual adiro,
[...] a proteção contra os chamados atos antissindicais e atos antirrepresentativos é componente inafastável do direito à liberdade sindical titularizado por trabalhadores e suas respectivas entidades, não havendo como concebê-lo sem reconhecer a incompatibilidade existente entre aquelas condutas discriminatórias e os aspectos individuais e coletivos que vêm configurando, historicamente, aquela garantia fundamental. [...]
No entanto, em que pese a existência de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais no ordenamento jurídico brasileiro a consagrarem aspectos individuais e coletivos cruciais do direito à liberdade sindical e a nulificarem as condutas lesivas a tais posições jurídicas, os titulares das referidas garantias — em especial os trabalhadores e seus sindicatos — não vêm conseguindo extrair das normas em apreço a devida proteção contra as práticas antissindicais e antirrepresentativas de que são vítimas.
A explicação para tal vicissitude reside no fato de que a interpretação usualmente conferida aos dispositivos principiológicos consagradores do direito à liberdade sindical insiste em enxergá-los como normas carentes de autoaplicabilidade — ou como normas programáticas —, destituídas de aptidão para regular, por si só, as situações concretas a envolverem atos antissindicais e antirrepresentativos.
[...] Tal concepção restritiva e formalista a respeito da proteção jurídica contra os atos antissindicais e antirrepresentativos é um dos pontos de vista que o presente trabalho pretende superar ao longo de seus sete capítulos, por intermédio da demonstração de que os dispositivos principiológicos positivados no ordenamento jurídico pátrio a conformarem o direito à liberdade sindical possuem força normativa suficiente para prevenir e coibir aquelas condutas discriminatórias e que, por tal razão, é possível delimitar em que medida os trabalhadores, os servidores públicos e suas entidades representativas encontram-se protegidos contra tal sorte de práticas. [...]
Por outro lado, o Autor também sustenta, coerentemente com o conjunto de sua obra pregressa (e, nesse ponto, temos divergências, a tempo apontadas durante a banca), que
[...] a importação da metódica da ponderação de bens e de seus subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, a ter em Robert Alexy seu principal expoente [...], [e] a concepção axiológica e seu método característico não se mostram adequados para promover o desvelamento do conteúdo objetivo inerente aos direitos fundamentais — dentre eles a liberdade sindical — porquanto a fixação do significado em concreto destes últimos dependerá, ao fim e ao cabo, da discricionariedade do aplicador autorizado que acabará por definir o peso que cada princípio terá naquela operação pretensamente neutra a envolver a ponderação de
bens. [...]
E, nessa mesma linha de raciocínio, propõe,
[...] [c]omo alternativa a tal visão acerca dos direitos fundamentais, [...] [a] concepção deontológica, que busca compreendê-los como efetivos direitos institucionais dotados de um conteúdo objetivo cujas características foram historicamente adquiridas e lhes conferem, por isso mesmo, notas distintivas em relação a outros institutos jurídicos [...].
É, sem dúvida, uma vereda desafiadora. E quiçá mais efetiva, mercê dos erráticos “juízos de proporcionalidade” praticados no Judiciário nacional, não raro desconcertantes e avessos à própria metodologia alexyana.
Por esses caminhos, enfim, Paulo Lemgruber conclui, com todo acerto, que, no Brasil, a liberdade sindical segue a demandar dos juristas — e, diríamos nós, especialmente dos juízes, dos advogados e dos legisladores — a “atualização de seu escopo tutelar com vistas à agregação daqueles novos supostos fáticos e a coerência de tal reação com o principal elemento institucional a caracterizar a garantia em tela, qual seja, o oferecimento de condições aos obreiros para que estes últimos possam exercer um efetivo contrapoder aos desígnios patronais”, em condições de paridade de armas com os detentores dos meios de produção.
Seria isso historicamente possível?
Não pergunte, caro leitor. Outra vez ingressaríamos em um longo debate — senão interminável —, estranho à presente obra. Althusser talvez objetasse, com razão, que “[t]odos os Aparelhos Ideológicos de Estado, sejam quais forem, contribuem para um mesmo resultado: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações capitalistas de exploração. Cada qual contribui para esse resultado único da maneira que lhe é própria”. Não seria diferente com o Direito.
O ideal filosófico, porém, não raro obnubila a visão. O jurista, por isso, deve ser pragmático, sem perder o idealismo. E, do ponto de vista pragmático — como, de resto, do ponto de vista ético, jurídico e até mesmo econômico (no sentido de que as crises cíclicas do capitalismo reduzam o seu passo acelerado ao longo do século XXI) —, não há outro norte a seguir.
Conheça-o, pois, a partir da próxima página.
São Paulo, verão de 2023.
Guilherme Guimarães Feliciano
Professor Associado I do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Titular da Cadeira n. 53 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Doutor e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pós-Doutor pelo “Ius Gentium Conimbrigae”/Centro de Direitos Humanos (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra). Docente coordenador dos Núcleos de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho” (FDUSP) e “Meio Ambiente do Trabalho” (FDUSP). Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — Anamatra (2017/2019). Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15 a Região — Amatra XV (2011/2013). Juiz Titular da 1a Vara do Trabalho de Taubaté/SP.
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