O Dano Moral na Dispensa do Empregado
Introdução
Este livro trata de um dos assuntos mais empolgantes do mundo jurídico, pois cuida do patrimônio da alma e dos mistérios desse ser incompleto, inacabado, em formação e transformação, em constante processo de aperfeiçoamento e de busca do bem-estar e da felicidade, que é o homem.
Ficou ainda mais intrigante, na medida em que a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera a CLT (Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943), a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho, apresenta no Título II-A vários artigos dedicados ao Dano Extrapatrimonial, expressão que é utilizada em Portugal, Itália e Alemanha para qualificar aquilo que denominamos aqui no Brasil de Dano Moral.
O Código Civil Português, de 1967, rejeitou a designação de dano moral, preferindo a expressão dano não patrimonial, por seu caráter mais rigoroso, pois inclui tanto os danos morais propriamente ditos como os danos estéticos, sofrimentos físicos etc., cuja tradição jurídica que remonta ao direito romano. Portanto, neste momento também no Brasil, o legislador optou por adotar o conceito moderno de dano moral, utilizado nos países da União Europeia, na vertente de dano não patrimonial.
Desta forma não apenas empolgante, como deslumbrante, é o dano moral, agora também denominado de dano não-patrimonial, embora continuaremos neste trabalho a denominá-lo dano moral, em face de sua ampla utilização na doutrina e na jurisprudência dominante, por força de tratar de algo que o ser humano, embora nele reflita a séculos, em parte o desconhece, ainda não chegou a uma conclusão sólida, definitiva. Por ocupar o ápice da pirâmide evolutiva das espécies vivas e por se adaptar ao meio ambiente em que vive, à medida que este também se transforma, a pessoa sempre se questiona de onde veio, o que está fazendo aqui, por que nasceu nessa família, nesse berço e não em outro, e para onde vai, que faz parte das indagações que também perpassam o objeto de nosso estudo: os sentimentos humanos mais profundos e que não podem ser identificados nem mesmo por perícia médica.
Em virtude do fator aleatório que emana de si, a variedade dos sentimentos humanos não há como se contar, nem mesmo com a construção de uma escala de previsões: a pessoa humana é um devir, composto de duas naturezas (humana e divina), e daí, dois patrimônios (material e moral), em “permanente inacabamento”, nas palavras de Heidegger, um ser aleatório por sua própria natureza, incompleto, existindo desde os “estoicos de coração seco”, totalmente insensíveis, como já dizia Ripert, até os ditos “moles de coração”. Daí, não há como se analisar os sentimentos humanos por presunção ou indícios, ou mesmo por perícia. A análise não há como não ser holística, com base no que ordinariamente acontece.
A beleza desse instituto jurídico – o dano moral – é tão intensa que já se passaram décadas de seu reconhecimento no direito pátrio, que foi reforçado pelo advento da Constituição da República, em 1988, e até hoje os profissionais da área ainda não têm firme convicção e certeza quanto a seus exatos parâmetros de aferição e de configuração, seja no campo civil ou na seara do Direito do Trabalho.
A cada dia, nas petições e nas decisões judiciais, surgem novidades jurídicas que ainda são capazes de nos impressionar e de nos levar a novas reflexões. Daí, a sublimidade do instituto do dano moral, que longe de se levar a uma banalização, como já fizeram crer, cada novidade jurídica o enobrece. Isso provém exatamente do fato de que o dano moral segue a mesma trajetória do ser humano, pois um é corolário do outro. Na verdade, os dois se misturam, entrelaçam-se.
Em outras palavras, à medida que a consciência humana evolui, já que ela é incompleta, inacabada, aberta a novos eflúvios da alma humana misteriosa e bela, atrai novos fatos, novas situações jurídicas aptas a ensejarem a prática de atos antijurídicos que podem levar à condenação do lesante.
Por isso que, nesta edição, nos debruçamos com alegria, em leitura atenta, saboreando cada palavra, para não perder a oportunidade de colocar no papel tudo o que for possível para tornar e conservar esse instituto do dano moral ainda mais instigante e belo, seja na doutrina, ou jurisprudência, com os sentimentos que partem da mente, do coração e da alma do autor, atingindo o papel como se fosse com as penas quentes e efervescentes de uma caneta dourada e aquecida pelo fogo de uma paixão, pois o homem só é levado a examinar algo, com profundidade, por emoção, quando as letras do papel também lhe tocam e atingem os sentimentos de seu coração.
O dano moral se relaciona aos direitos mais importantes da pessoa humana: os direitos humanos e a situação do homem, especialmente o empregado hipossuficiente, no mundo do trabalho. E não é apenas importante, mas sobretudo sublime, pois faz parte do reconhecimento universal de que todos os seres humanos, em que pesem as inúmeras diferenças biológicas, sociais e culturais que os distinguem entre si, merecem igual consideração e respeito, como únicos seres no mundo civilizado capazes de pensar, refletir, criar a beleza e o seu próprio destino, por meio de suas escolhas e de seus esforços.
O Dano Moral constitui-se em um dos fenômenos mais relevantes do Direito na atualidade, e sua importância e desenvolvimento podem ser aferidos pelo enorme número de demandas judiciais que tramitam em nossos Tribunais.
O escopo deste trabalho é o desenvolvimento do tema Dano Moral nas Relações de Trabalho, com ênfase na dispensa do empregado, que tenha ou não um vínculo laboral formal. A rigor, os danos extrapatrimoniais são aqueles que não têm um conteúdo econômico e estão circunscritos na esfera da responsabilidade civil. A admissão da reparabilidade de tais danos no Direito brasileiro, especificamente o Dano Moral Trabalhista, começou a tomar outra dimensão com o advento da Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 assumiu a posição de “divisor de águas”, pois até o seu advento o Dano Moral Trabalhista não era reconhecido por nossos Tribunais, de forma unânime, sob a hipótese de que não constituía matéria trabalhista.
Atualmente, o Direito pátrio alinha-se com o Direito das nações mais avançadas do mundo, ao reconhecer em seu ordenamento a tese da admissão do Dano Moral Trabalhista, sob a égide da reparação integral, isto é, a reconstituição ou substituição integral do bem lesado, seja ele derivado da honra, da dignidade, da intimidade, do nome, da boa fama, da vida privada e da liberdade.
O grande desafio que se afigura para os magistrados é justamente encontrar a correlação entre o dano moral causado ao empregado ou ao empregador, de natureza não econômica, e o quantum satis devido a título de reparação, que constitui a resposta jurídica ao causador do dano. Assim, a reparação dos Danos Morais Trabalhistas tem tripla função, uma de natureza preventiva ou inibitória, outra reparatória e uma pedagógica.
O estudo do Dano Moral Trabalhista assume transcendental importância em nosso País, notadamente quando se verifica em relação à pessoa do empregado, pelo baixo nível de escolaridade e cultural de grande parte de nossa massa de trabalhadores, que vive em uma realidade socioeconômica e conjuntural em que pairam enormes desequilíbrios regionais, baixo padrão de vida, reduzida taxa de escolaridade, cuja média brasileira é de seis anos, em relação aos onze anos dos americanos e europeus. Na verdade, ainda, lamentavelmente, vivemos em um país de miseráveis, na acepção da palavra. Não podemos olvidar que quase virtualmente a metade de nossa força de trabalho não possui carteira de trabalho assinada, ou seja, encontra-se na informalidade.
Assim, quando temos um enorme contingente de trabalhadores na informalidade, alijada dos benefícios ou direitos trabalhistas mais elementares, o que dizer de direitos mais complexos como o Dano Moral?
Sob essa ótica, estaremos discorrendo sobre a atual configuração do sistema vigente no Direito do Trabalho no Brasil, atinente aos despedimentos arbitrários ou sem justa causa. O modelo brasileiro que virtualmente libera o empregador, a seu livre alvedrio, para utilizar o seu poder potestativo de dispensa é o ideal?
É inconteste que o Direito pátrio não cria qualquer óbice ao despedimento do empregado, a não ser a multa sobre o FGTS, estabelecida nos termos do art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, eximindo-o, até mesmo, de quaisquer justificativas a respeito, a órgão do Ministério do Trabalho ou à Justiça
do Trabalho. Isto ficou ainda mais patente com o advento da Lei n. 13.467/2017, da Reforma Trabalhista, que, no art. 477-A, equipara a dispensa individual, plúrima e coletiva, como se do mesmo instituto se tratasse, adotando, ao fim e ao cabo, a Doutrina do Employment at will, que prevalece nos Estados Unidos da América do Norte, ou seja, da livre possibilidade de dispensa do trabalhador, sem necessidade de qualquer motivação.
Em relação a este tipo de dispensa, a Constituição Federal, ex vi do art. 7º, I, transfere a regulamentação dessa matéria para uma lei complementar, a qual ainda não consta da pauta dos projetos de lei a serem tramitados no Congresso Nacional, e nem mesmo está sendo objeto de discussão no seio da doutrina, entidades de classe, sindicatos ou da sociedade empresarial. Portanto, tudo leva a crer que o presente estado de coisas deve remanescer como está ainda por um bom lapso de tempo.
Ademais, a Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho
– OIT, que poderia criar algum grau de proteção ao trabalhador nas dispensas arbitrárias , uma vez que somente permite demissões motivadas, com base em razões econômicas, financeiras, tecnológicas etc., após ter sido ratificada pelo Estado, foi posteriormente denunciada.
E pior, em fevereiro de 2008, novamente o Estado enviou ao Congresso
Nacional mensagem presidencial no sentido da ratificação da Convenção n. 158 da OIT, que foi refutada, de plano, já na primeira comissão temática no Parlamento brasileiro sob a alegação de que poderia trazer sérios entraves ao empresariado. Em face da crise econômica global com a qual nos deparamos no presente, tornou-se ainda muito mais difícil sua ratificação.
Este tipo de dispensa do trabalhador que vige na iniciativa privada em nosso país remanesce ou nos remete aos tempos medievais ou semiprimitivos, já que totalmente divorciada dos princípios e direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, fundamento de validade do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), os fundamentos da soberania, cidadania, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, o pluralismo político, bem como os objetivos fundamentais do Estado, em seu art. 3º, de I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Entre os direitos fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal prevalecem a regra de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (inciso III); a que declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação (inciso X); as regras de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, e de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (incisos LIII e LIV).
Isto sem esquecer ainda dos preceitos constitucionais do art. 170 (da ordem econômica), do art. 193 (da ordem social) e dos arts. 200 e 225 (meio ambiente, inclusive o laboral).
Além desta normativa constitucional, a Constituição Federal em seu art. 7º, I, estabelece: “I – relação de empregado protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Observa-se que, apesar da disposição constitucional protetiva do emprego, a novidade jurídica do art. 477-A, retro mencionado, que surge com o advento da Lei n. 13.467/2017, da Reforma Trabalhista, nos afasta, ainda mais, do necessário alinhamento aos países mais avançados democraticamente na defesa dos direitos e garantias relacionados à proteção contra a dispensa arbitrária ou imotivada do trabalhador.
Já a dispensa coletiva é um instituto do Direito Coletivo do Trabalho, que possui princípios, normas, institutos e instituições totalmente diversas do Direito Individual do Trabalho. Vige neste ramo do Direito, como objeto, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e os direitos mais elevados da dignidade humana.
Não concordamos com a tese de que a dispensa coletiva seja um instituto do Direito Individual do Trabalho. Isto porque, para ser coletiva, a dispensa exige certos parâmetros, conforme fixado na legislação trabalhista portuguesa, de uma percentagem do quadro de trabalhadores da empresa. Se envolve uma coletividade de dispensados, por certo este fato jurídico deve ser tratado pelas autoridades competentes, no caso, os legitimados ou autores ideológicos, cujas atribuições são fixadas exatamente neste ramo do Direito do Trabalho: o Direito Coletivo.
A presença do interesse público primário de toda a sociedade impõe a este ramo do Direito uma proteção especial, com a efetiva e necessária participação dos legitimados ou autores ideológicos, entre eles, o Ministério Público do Trabalho, neste desiderato, como gestor do microssistema de tutela coletiva e dos instrumentos de que dispõe para proteger os direitos sociais e indisponíveis dos trabalhadores.
Daí, importante tal diferenciação entre os institutos. No Brasil não existe legislação própria no que respeita a dispensa coletiva de trabalhadores pelas empresas, e por longo tempo esta matéria remanesceu em um verdadeiro limbo jurídico, numa verdadeira “terra de ninguém”, até que a matéria foi regulamentada por decisão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho , que fixou a tese de que não poderia haver dispensa coletiva de trabalhadores sem prévia negociação coletiva de trabalho.
Esta decisão traçou um marco regulatório na dispensa coletiva no Brasil, em face da ausência legislativa, que agora está sendo afastada peremptoriamente pelo art. 477-A da Lei n. 13.467/2017, da Reforma Trabalhista. E, em outra vertente, será que cabe indenização por Dano Moral nas despedidas puras? E se o empregador no exercício normal de seu direito potestativo agregar à declaração de rescisão do contrato de trabalho um ilícito contratual? O Direito do Trabalho pátrio acolhe o direito à reparação por Dano Moral ao empregado “irregular”? Tentaremos, no curso deste trabalho, trazer alguma luz a essas intrincadas questões.
O Dano Moral oriundo de relações de trabalho “irregulares” ganha relevo no Direito do Trabalho, dada a inusitada evolução da economia informal em nosso País, decorrente do aumento do desemprego e dos exagerados encargos sociais, que acabam por sufocar a iniciativa privada, não apenas nas novas contratações, como também nos despedimentos.
E como fica o Direito ao Trabalho, que atualmente tem amparo constitucional, em um Estado como o nosso que preconiza, pelo menos em tese, os ideais da Justiça Social? A Constituição Federal de 1988, que elegeu como fundamento da República, entre outras, “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho”, pode deixar na marginalidade os direitos dos trabalhadores que vivem na informalidade, em um momento histórico em que a tendência moderna pende para a abrangência cada vez maior da proteção legal do trabalhador?
A discussão que pairava no Direito do Trabalho sobre a necessidade da criação de uma lei para definir os critérios e limites para as indenizações relativas ao dano moral trabalhista veio sedimentada na Lei n. 13.467/2017, no art. 223-A e seguintes, que trata do Dano Não-Patrimonial. De forma semelhante, a França também recentemente, por meio das ordennances Macron, fixou uma limitação para as indenizações dos empregados nas dispensas ou rescisões do contrato de trabalho e não em relação ao dano moral.
Em edições anteriores deste livro discorremos sobre critérios para a fixação do quantum satis da indenização do Dano Moral Trabalhista, de molde a delimitar o campo de atuação do magistrado, sem tolher o seu poder discricionário e sua independência funcional, o que agora foi regulamentado pela Lei n. 13.467/2017, em seus arts. 223-A e seguintes, assunto que trataremos no capítulo próprio.
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