Introdução | A Prescrição das Pretensões Coletivas

Introdução

A contagem do tempo ao longo da história das civilizações variou bastante em cada época e construção social. Há notícias de critérios de contagem em ciclos da natureza, tempos de caça ou de plantio, calendários lunares, solares etc.

O primeiro ano já foi considerado como a fundação de Roma, mas atualmente é considerado o ano do nascimento de Jesus Cristo (mundo cristão ocidental). Para os árabes, o primeiro ano do calendário é marcado pela fuga de Meca para Medina, empreendida por Maomé. Essas demarcações situam a humanidade no tempo e no espaço. São importantes para as pesquisas históricas e culturais. O mundo ocidental contemporâneo, além do nascimento de Jesus Cristo, baseia sua contagem no ciclo solar e lunar. O tempo é dividido em dias, os dias em horas, as horas em minutos e os minutos em segundos. Convencionou-se usar o marco de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias para a contagem do ano, período aproximado da volta da Terra em torno do Sol. E, a partir das fases da Lua, fixou-se o tempo dos meses, 28 (vinte e oito) a 31 (trinta e um) dias.

A passagem do tempo já foi considerada um fator de cura para as relações sociais e esperança de uma nova vida no clássico romance de Victor Hugo, Os miseráveis. A obra foi adaptada para a televisão e o cinema e contém diversos questionamentos sobre o tempo, o trabalho como fator de dignificação social, além de retratar as misérias e desigualdades sociais da França do século XIX.

Usar o tempo para controlar os conflitos sociais não é próprio de todos os períodos do desenvolvimento humano. Esta pesquisa restringe a incidência do tempo como fator de extinção da pretensão e exclui o estudo do tempo como fator de aquisição de direitos, para uma melhor delimitação. Não houve uma preocupação de aprofundamento do instituto da decadência, o qual será pontuado em algumas partes do trabalho quando necessário, apenas para diferenciá-lo do instituto da prescrição. A prescrição não é exclusiva do Direito do Trabalho; pelo contrário, seu desenvolvimento ocorreu dentro do Direito Civil, estuário normativo que originou toda sistematização normativa em torno das relações jurídicas trabalhistas.

O instituto da prescrição — sua aplicação na área trabalhista, com enfoque nas pretensões coletivas — foi escolhido como o objeto central desta pesquisa. É importante destacar que tanto o instituto da prescrição quanto o acesso coletivo à Justiça demandam uma compreensão atenciosa e profunda para a fixação de premissas seguras em uma sistematização lógica e harmônica. O tema da prescrição passou a fazer parte dos conflitos judiciais a partir do conflito decorrente das correções monetárias oriundas dos Planos Bresser e Collor na Justiça Comum (REsp n. 1070896/SC). Houve intenso debate sobre o prazo prescricional aplicável às pretensões coletivas, considerando a omissão da Lei n. 7.347/1985 e da Lei n. 8.078/1990. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo prescricional aplicável deveria ser extraído das normas do microssistema de acesso coletivo à Justiça.

No julgamento, o colegiado optou por aplicar à pretensão coletiva veiculada na ação civil pública, por analogia, o art. 21 da Lei n. 4.717/1965 — prazo quinquenal para as pretensões objeto da ação popular. Os fundamentos utilizados pelo STJ influenciaram o Tribunal Superior do Trabalho (TST). A polêmica quanto ao prazos prescricionais para as pretensões coletivas ainda não foi sedimentada. A lacuna normativa referente ao tema é o principal objeto de análise deste estudo. Parte-se da visão de unicidade do ordenamento pátrio e da tentativa de harmonizá-lo do modo mais integrativo possível, observando as políticas públicas do sistema de Justiça e a análise dos institutos da prescrição e do processo coletivo pertinentes ao tema.

A visitação à doutrina civilista e processualista civil, ao lado da doutrina clássica trabalhista (material e processual), das legislações e doutrinas estrangeiras que influenciaram o desenvolvimento do ordenamento pátrio, é necessária para uma melhor compreensão do objeto de pesquisa. É igualmente necessária uma organização sistemática e aprofundada da prescrição em pretensões coletivas para que o instituto seja um fator que permite, ao mesmo tempo, eliminar as injustiças do sistema e sedimentar os conflitos pelo decurso do tempo. Há uma lacuna doutrinária quanto à aplicação do instituto da prescrição em sua plenitude quando se trata de processo coletivo. Não há uma obra completa sobre o tema.

Assim, a contribuição que se entregará à comunidade jurídica, sujeita a críticas, é uma tentativa de sistematização da problematização que gira em torno do tema. Qual o prazo aplicável às pretensões coletivas? A regra geral para a omissão dos prazos prescricionais prevista na codificação civil pode ser utilizada? Há diferença de tratamento para a prescrição de pretensões individuais e coletivas? Como harmonizar o sistema? De onde se extrai e como se aplica o impedimento à fluência dos prazos prescricionais em pretensões coletivas? Quais as causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional em pretensões coletivas? Qual o marco de contagem para o início ou reinício desses prazos e como eles se relacionam com as lides individuais? A prescrição intercorrente é aplicável às pretensões coletivas? Todos esses questionamentos estão em aberto e precisam ser respondidos de algum modo para que a segurança jurídica que se almeja com a resolução judicial dos conflitos seja alcançada.

Optou-se por estruturar o trabalho em cinco capítulos a partir dos elementos principais de seu título. O primeiro capítulo discorrerá sobre o instituto da prescrição desde o seu nascimento até a fixação de seu conceito e de sua natureza jurídica. Foi necessário apresentar os debates doutrinários entre as escolas ítalo-francesa e alemã, tão importantes para a visão contemporânea do instituto com seus fundamentos.

O segundo capítulo ocupa-se do estudo do acesso coletivo à Justiça. Em primeiro lugar, apresenta-se o que seria um sistema de Justiça e o que esse sistema pretende com a criação estruturada do combate aos litígios de massa. A história no mundo, no Brasil, nas áreas trabalhista e cível é igualmente importante para a compreensão do tratamento coletivo de conflitos. E, como o tema comporta muito debate e divergências doutrinárias, foi necessário, nesse capítulo, fixar as premissas utilizadas no entendimento do que seriam direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, pois as pretensões coletivas derivam desses direitos.

O direito estrangeiro não poderia ser olvidado em uma tese de doutoramento, especialmente diante da comunicação e da relação de influência recíproca entre o ordenamento pátrio e os países eleitos para uma pesquisa da legislação pertinente ao tema da prescrição em pretensões trabalhistas individuais, do acesso coletivo e da indagação se há em outros ordenamentos alguma norma jurídica relativa à prescrição com enfoque na estrutura coletiva das pretensões.

Na primeira parte do terceiro capítulo, a distribuição dos países foi realizada a partir do grau de influência e de comunicação com o Direito Material do Trabalho, sob a perspectiva individual, com corte metodológico no tratamento da prescrição para as pretensões individuais trabalhistas. Na segunda parte, o enfoque da pertinência é alterado.

Passa-se a interagir com as legislações e doutrinas desenvolvidas sobre o processo coletivo. Daí a disposição dos primeiros países tratados, porque fazem parte, de algum modo, da história legislativa brasileira, e os últimos passam a demonstrar a influência do ordenamento pátrio em suas mudanças legislativas.
Chega-se ao coração da tese. O quarto capítulo traz o tratamento do instituto da prescrição das pretensões individuais e coletivas. Faz-se uma revisão doutrinária e jurisprudencial das teorias sobre a prescrição em pretensões coletivas, com a apresentação da solução proposta para a colmatação da lacuna normativa apresentada. Propõe-se uma solução de aplicação da prescrição às pretensões coletivas reivindicadas ou exigidas no Direito Coletivo do Trabalho, em sua visão contemporânea, bem como se expõem os anteprojetos e projetos de lei  existentes sobre o tema da prescrição em pretensões coletivas.

Por fim, no quinto capítulo, apresentam-se respostas e soluções para os problemas da contagem do prazo prescricional, formas de impedimento,  suspensão e interrupção. Discorre-se sobre os efeitos produzidos nas demandas individuais pelas ações coletivas, tanto na fase de conhecimento como na de execução, além de conflitos relacionados à chamada prescrição intercorrente, propondo-se, por meio de interpretação sistemática, lógica e segura, o tratamento do instituto.

Em termos de prescrição, foram utilizados como marcos teóricos os trabalhos desenvolvidos por Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda no tomo VI do Tratado de direito privado e a obra de Humberto Theodoro Júnior, Prescrição e  decadência, no que diz respeito à fixação do tema da prescrição como normativo geral do ordenamento pátrio e a suas especificidades. Quanto ao processo do trabalho, os marcos teóricos eleitos foram as obras de Wilson de Souza Campos Batalha e de Enoque Ribeiro dos Santos. Procurou-se abranger o máximo de autores da doutrina processual coletiva civil e trabalhista que tentaram de algum modo tratar o tema, ainda que pontualmente.

A epistemologia jurídica — estudo dos fatores que condicionam a origem do Direito e tem como um dos seus objetivos tentar definir o seu objeto de conhecimento e afirmações — foi utilizada desde a análise do instituto da prescrição até o exame do processo coletivo. A pesquisa sintética, aquela que, para explicar e prever comportamentos ou fenômenos complexos, examina o conjunto das relações em que variáveis dependentes e independentes intervêm para fixar uma linearidade sistêmica, foi eleita para o desenvolvimento desta tese.

Além dela, utilizou-se da pesquisa de desenvolvimento, visando a elaboração de uma nova forma de intervenção sobre o tema da prescrição em pretensões coletivas tratadas pelo TST. O método exegético, dialético e dedutivo, com o estudo lógico dos textos normativos, jurisprudenciais e doutrinários, também foi usado para a revisão dos conhecimentos científicos e a elaboração de uma abordagem original do instituto da prescrição e de sua interface com as pretensões decorrentes dos direitos coletivos. O processo coletivo, embora de raízes longínquas, é uma especialidade relativamente contemporânea em comparação com o desenvolvimento do Direito Processual Individual. Por esse motivo, os institutos que a ele se aplicam, como a prescrição, suscitam dúvidas, carecendo de uma maior dedicação para sua estruturação e aplicação visando a segurança jurídica e a harmonia do sistema de Justiça.

 

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