O Poder Diretivo Algorítmico

Prefácio

A história invariavelmente se constrói e se desenvolve segundo as lógicas do “controle” e do “domínio”, estruturas indispensáveis para falar-se em “poder”, esse singular instituto que dá a certos sujeitos a capacidade de impor a outros as suas vontades para o alcance de determinados objetivos.

As esferas do poder são diversas e não raramente se retroalimentam. O poder marcial, por exemplo, é nutrido pelo poder econômico, que se torna ainda mais forte quando lastreado no poder político, que, por sua vez, busca apoio no poder social. E é justamente das estruturas desse “poder” que emerge o “direito” como forma institucionalizada de regular e de limitar, pela coação, pela recompensa ou pela persuasão, o próprio poder, deixando às claras “quem manda e quem obedece”; até que ponto se ordena e até que instante se deve ceder. Essas relações simplesmente ocorrem e, pelo fato de ocorrerem, impiedosamente transformam os dominantes em dominados e vice-versa.

Há situações em que esse “poder” é transferido, seja por conta de atos de sucessão, seja por circunstâncias estratégicas com vista à expansão do controle e do domínio. E uma das mais significativas investidas de transferência do poder é hoje visível na atribuição das atividades fiscalizatórias e mandatórias aos implacáveis “algoritmos”. Isso mesmo, aos algoritmos.

Esses procedimentos padronizados são os protagonistas da contemporaneidade, responsáveis pelos mais expressivos avanços tecnológicos, verdadeiros promotores do que se pode chamar de “revolução digital”.

Os algoritmos são bons aprendizes; eles agem segundo lições iniciais, mas, a partir delas, desenvolvem sozinhos — e de forma absurdamente leal ao programador — atos de comando, controle e fiscalização na exata medida das missões que lhes foram atribuídas e, para além disso, descobrem padrões ocultos com o propósito de orientar as ações subsequentes. Mais do que fiéis, os algoritmos são discretos. Eles apenas fazem. Eles não reivindicam mérito nem pretendem promoção. Sem nenhum recato denunciam qualquer ato em desconformidade com as suas diretrizes.

Eles, que tanto foram utilizados para reger coisas, encontraram um terreno fértil na direção de pessoas, especialmente no âmbito das relações de trabalho em que naturalmente existem expectativas e sanções. A autoridade anônima dos algoritmos passou, então, a comandar os trabalhadores, dando-lhes orientações, conferindo-lhes metas, estabelecendo prioridades e, até mesmo, aplicando-lhes punições.

É exatamente sobre isso que Ana Paula Didier Studart trata de forma inteligente, sistemática e reflexiva na presente obra, fruto da sua festejada dissertação de Mestrado, que eu tive a honra de orientar no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia. Ela analisa de forma detalhada, e mediante muitos exemplos extraídos do ordenamento jurídico brasileiro, o papel do algoritmo enquanto patrão, como chefe que recruta, seleciona, admite, fiscaliza, ordena, pune e até mesmo dispensa os empregados.

Em texto admirável, Ana Paula expõe as suas ideias em três capítulos. O primeiro, intitulado de “Algoritmo, ordem e eficiência”, apresenta o conceito de algoritmo, as suas espécies e a relação dele com a Tecnologia de Informação.

No segundo capítulo, denominado “Algoritmo no comando da relação de emprego”, ela analisa a possibilidade de configurar-se e reconhecer-se um “poder diretivo algorítmico”, expressão originalmente cunhada em artigo que juntos publicamos no LinkedIn em setembro de 2020 e, posteriormente, na Revista Magister de Direito do Trabalho (Ano XVIII – n. 105 nov./dez. 2021), e que tem sido muitas vezes referenciada em outros escritos sobre o assunto. Ao final desse segundo capítulo, merece destaque o estudo que inter-relaciona o poder diretivo, a novas tecnologias e o punitivismo nas relações de trabalho.

O terceiro e último capítulo aborda “As novas tecnologias e as novas formas de dirigir a prestação laboral” e, dentro desse contexto, o desenvolvimento de raciocínios e soluções jurídicas para sua proeminência. O algoritmo foi aqui analisado como um instrumento à serviço do empregador para gestão (People Analytics), mas, em casos extremos, também como vetor do chamado “assédio moral algorítmico”, especialmente quando não houver supervisão humana.

Muito além da concepção monográfica clássica, não se aprecia aqui unicamente a substância do instituto em debate, mas se sopesam as suas intersecções com diversos outros conteúdos e se oferecem, a partir desse instante, exemplos esclarecedores e envolventes.

Excede-se, portanto, a mera exegese de comandos legais para proporcionar, em genuína contribuição, o algo a mais, justamente o que torna a obra singular e diferenciada de outras tantas sobre o assunto.

A qualidade técnica e a experiência profissional de Ana Paula, aliadas à simplicidade de suas assertivas, à confiabilidade de suas observações e à objetividade de suas colocações, permite-me afiançar que as dúvidas em torno do assunto encontram aqui o seu fim.

A leitura é fácil. A construção da sequência temática observa ordem lógica, que prestigia o adequado aprofundamento em cada uma das muitas variáveis que o assunto oferece. Ademais, para o prazer de quem a lê, a redação tem elegante fraseado e extrema fluidez.

Orgulhosamente, não tenho dúvidas de afirmar, mediante essas breves palavras, que estamos diante de um sucesso editorial, que será digno de múltiplas reedições decorrentes da excelente receptividade que decerto provocará em cada um dos seus leitores por ser indispensável à compreensão da matéria. Surge, assim, um novo referencial teórico.

 

Cidade do Salvador, fevereiro de 2023.

Luciano Martinez

Professor Associado II de Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela UFBA
(Graduação, Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP. Pós-Doutor em Direito pela PUCRS. Juiz do Trabalho do TRT da 5a Região. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

 

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