O Poder Diretivo Algorítmico

Introdução

Vivemos a era da informação, da tecnologia, do digital. Nos acostumamos a ter aparelhos e ferramentas eletrônicas, atualmente quase todos automatizados, que são como extensões dos nossos corpos. Há alguns anos pensar no futuro e fazer projeções de uma sociedade com robôs executando tarefas inerentes aos seres humanos era utópico e sonhador, soava como cena de filme ou desenho animado. Agora já é a realidade.

A transformação que a sociedade sofreu e continua sofrendo a cada momento — afinal, o avanço tecnológico é exponencial e, em pouco tempo, determinada ferramenta antes revolucionária já se torna obsoleta — causa impactos, como é de se esperar, nas pessoas, nas relações e no direito. Esses impactos podem ser positivos e trazer diversos ganhos, conquistas e avanços, aumentando a qualidade e a expectativa de vida dos indivíduos, inclusive, aproximando as pessoas, otimizando o tempo e trazendo mais segurança em diversos aspectos.

Mas não se pode ignorar as consequências negativas e o potencial de causar danos que o avanço tecnológico carrega consigo e que muitas vezes se concretiza. Os protagonistas da era atual são os algoritmos. São eles que possibilitam os avanços tecnológicos e a revolução digital, trazendo inovações e automações cada vez mais constantes.

Por meio da Inteligência Artificial, os algoritmos aprendem sozinhos de forma intensa e impressionante e comandam, controlam, induzem, sugerem, fiscalizam a todos nós. Estamos inseridos num mundo em que os algoritmos nos conhecem e possuem informações sobre nós que sequer imaginamos ou temos dimensão.

Ter essa consciência e buscar entender essa realidade é um passo fundamental para buscar retomar o controle das nossas próprias vidas. Como consequência lógica dessa atuação e da presença intensa dos algoritmos na sociedade e na vida dos indivíduos de um modo geral, os algoritmos chegaram até as relações de trabalho. Há algum tempo se discute sobre os controles telemáticos nas relações de emprego e os impactos das ferramentas tecnológicas na vida privada do empregado.

A abordagem desses assuntos possui uma relevância grande, principalmente porque envolve direitos fundamentais dos empregados, que não podem ser mitigados. Contudo, a preocupação atual deve ser ainda mais intensa e urgente.
Se é difícil ter certezas quando o assunto é algoritmos, haja vista tratarem-se, como os especialistas costumam afirmar, de verdadeiras “caixas pretas”, cujo poder é imensurável e os limites são desconhecidos, trata-se de um verdadeiro desafio analisar a atuação deles no âmbito profissional. Nesse contexto, diversos questionamentos necessários são feitos, como, por exemplo, até onde os algoritmos podem “ir” em uma relação de trabalho. Ou, também, se existem limites para a utilização dessas ferramentas — compostas e possíveis graças aos algoritmos — por parte do empregador, em um vínculo de emprego.

Contudo, a questão crucial, que vem sendo debatida e analisada na doutrina trabalhista e que se trata do ponto focal da presente obra diz respeito a possibilidade de os algoritmos serem os próprios chefes. Pretendemos nessa obra analisar se no ordenamento jurídico brasileiro os algoritmos podem exercer o papel do empregador, recrutando e selecionando, admitindo, fiscalizando, dando ordens, punindo e até dispensando um empregado. Muito se fala, atualmente, em subordinação algorítmica ou subordinação por algoritmo. Na presente obra, abordamos o poder diretivo algorítmico, ou seja, a autoridade anônima dos algoritmos que já comanda, e tanto mais comandará, os trabalhadores, dando-lhes orientações, traçando-lhes metas, estabelecendo as prioridades e, até mesmo, aplicando-lhes punições.

Os algoritmos estão a ingressar nas relações de trabalho e estão a assumir os pontos dos mais exigentes encarregados, supervisores e coordenadores, fazendo anotações e cruzando dados de produção como ninguém imaginaria ser possível.

O poder que os algoritmos possuem é inestimável e implacável. Sabe-se que potencial para exercer atividades humanas, inclusive as atividades inerentes ao papel do empregador, os algoritmos têm. A grande questão é analisar até que ponto eles podem ser utilizados numa relação de trabalho para exercer essas funções.

Para abordar esses pontos extremamente atuais, polêmicos e necessários, a presente obra foi dividida em três capítulos. O primeiro, intitulado de “Algoritmo, Ordem e Eficiência”, busca apresentar o conceito de algoritmo, as espécies do mesmo e a relação que possuem com a Tecnologia de Informação. No referido capítulo buscamos analisar e expor a definição de algoritmo e das espécies práticas nas tecnologias, para compreender sua influência e impacto nos ambientes atuais, inclusive nos ambientes corporativos e relações de trabalho no Brasil.

No primeiro capítulo, será também exposto um dos “frutos” do uso dos algoritmos, qual seja, a Inteligência Artificial, que pode ser definida como a possibilidade de as máquinas executarem tarefas que são características da inteligência humana. O aprendizado de máquina, tradução para o chamado machine learning, ramo da Inteligência Artificial que envolve a criação de algoritmos que podem aprender automaticamente a partir de dados, também será analisado no primeiro capítulo, juntamente com seus desdobramentos e impactos, inclusive, o chamado deep learning. A aprendizagem profunda (tradução para o deep learning) também será explicado e analisado no referido capítulo, tratando-se de uma tecnologia que utiliza algoritmos mais complexos, sendo uma das várias abordagens para o aprendizado de máquinas.

Além disso, quando se fala em Inteligência Artificial, algoritmos ou aprendizado de máquina é comum utilizar conceitos como mecanização ou automação. Diversas discussões e debates sobre autonomia também surgem quando se aborda esses assuntos. Recentemente, porém, um conceito mais moderno surgiu, qual seja, a autonomação, ganhando destaque no estudo dos algoritmos, motivo pelo qual também foi abordado no primeiro capítulo.

A evolução da indústria ocorrida no século XX ocasionou o desenvolvimento da engenharia de produção, marcando a introdução do contínuo uso das máquinas, dos processos de fabricação e dos sistemas produtivos. A partir desta evolução alguns conceitos elaborados e definidos foram sendo alterados ao longo do curso da história. Além disso, com a utilização destes conceitos criaram-se métodos ampliados para outros tipos de organizações, como no segmento comercial e de serviços. Assim, para compreender os impactos dos algoritmos na vida humana e na sociedade, bem como os desdobramentos desses conceitos relacionados ao assunto, cada um dos conceitos mencionados foi abordado em um tópico próprio do primeiro capítulo.

No segundo capítulo, intitulado “Algoritmo no comando da relação de emprego”, adentrar-se-á no foco da presente pesquisa que é a implicação dos algoritmos nas relações de trabalho e a possibilidade de se configurar e se reconhecer, ou não, um poder diretivo algorítmico no ordenamento jurídico brasileiro. Tendo sido feita a introdução sobre o conceito de algoritmo, as espécies dos mesmos e a sua presença cada vez mais intensa e constante, na sociedade, serão analisados conceitos inerentes e essenciais para as referidas relações de trabalho, como os direitos fundamentais, a autonomia da vontade e, principalmente, a subordinação, que será analisada em diferentes subtópicos, quais sejam, as variáveis da subordinação, as novas teorias sobre a subordinação, com destaque para a subordinação por algoritmo e as críticas à ampliação da abrangência do conceito de subordinação.

Nesse capítulo, os referidos conceitos serão expostos e abordados para que as novas tecnologias sejam analisadas no que tange às relações trabalhistas, tendo como foco a identificação desses direitos e institutos. Além disso, será feita a análise do poder diretivo e o exercício deste por meio das ferramentas proporcionadas pela inovação e pelo avanço da tecnologia, bem como os impactos desses fenômenos nas relações de trabalho. Dessa forma, a análise dos direitos fundamentais nas relações de trabalho tem muita relevância para os desdobramentos do segundo capítulo.

Ao final do segundo capítulo, abordaremos o poder diretivo e as novas tecnologias e o punitivismo nas relações de trabalho. O referido capítulo será finalizado com a análise dos impactos da tecnologia nas relações do trabalho, fazendo uma crítica à tentativa de encaixe das novas relações advindas da revolução digital em categorias e critérios pensados para as relações de trabalho de tempos antigos, o que não atende as expectativas de uma sociedade em constante mudança.

O terceiro e último capítulo abordará “As novas tecnologias e as novas formas de dirigir a prestação laboral”, título do mesmo. Conforme será exposto ao longo do trabalho, o uso dos algoritmos implica em novos desafios que, até o presente momento, não eram objeto de discussão ou preocupação do direito brasileiro, tornando necessário o desenvolvimento de novos raciocínios e soluções jurídicas para sua proeminência. Diante de tal realidade, é necessário adaptação e abertura por parte dos juristas a essas relações algorítmicas, ou a inter-relações e intermediações por algoritmos em inúmeras áreas da vida, principalmente no que tange ao direito do trabalho brasileiro.

Nesse capítulo, o algoritmo será analisado como um instrumento a serviço do
empregador para gestão, conceito desenvolvido ao longo da obra. A referida conceituação será exposta e os limites do controle algorítmico será destrinchado nas diferentes fases da relação de emprego, quais sejam, fase pré-contratual, fase contratual e fase pós-contratual.

Nesse ponto, buscaremos responder à questão norteadora da presente obra: até que ponto o algoritmo pode funcionar como um instrumento para gestão do empregador? Por fim, serão expostos os efeitos decorrentes da extrapolação dos limites do poder diretivo, dentre eles o assédio moral algorítmico, a problemática acerca da responsabilidade pela atuação dos algoritmos e a necessidade de supervisão humana. Diante da impossibilidade de os algoritmos prestarem contas além de suas frias programações, como será possível, então, reconhecer neles um equilibrado poder de direção? O referido capítulo será encerrado com uma análise acerca do direito do trabalho na atualidade, suas novas realidades e novos desafios.

Não se deve desprezar ou desmotivar o uso da Inteligência Artificial e dos algoritmos. Mas é essencial saber como utilizá-los, mediante controles necessários e inserção de programações éticas. A presente obra tem o objetivo de alertar sobre a necessidade de se buscar entender o poder diretivo algorítmico, seu potencial, suas implicações e seus limites.

Não há, ainda, previsões legais ou posicionamentos jurisprudenciais consolidados no Brasil sobre o tema, o que reforça a importância da interdisciplinaridade na análise das questões e a relevância da presente obra.

Pretende-se analisar até que ponto o algoritmo pode funcionar como um instrumento para gestão do empregador. Não temos o objetivo de avaliar a determinação de um contrato de emprego por meio de um algoritmo, porque não há uma fórmula exata e não se trata do foco da presente obra. Busca-se, sim, aprofundar o conhecimento sobre os algoritmos, seus poderes imensuráveis e os limites necessários que devem ser impostos aos mesmos, principalmente no que tange às relações de emprego.

O caminho até as conclusões será desafiador e complexo, mas muito instigante. Iniciamos a construção da presente obra com a ideia de que os algoritmos, como sustentado por parte da doutrina, poderiam ser considerados os novos “chefes”. Mas, a medida em que aprofundamos as análises e estudos, compreendemos e passamos a ter a convicção de que os algoritmos não devem ser considerados os próprios empregadores, mas, sim, uma ferramenta à disposição desses, para que exerçam o poder diretivo, que na presente obra, conceituamos como o poder diretivo algorítmico.

Os avanços tecnológicos acontecem — e vão acontecer cada vez mais — para otimizar o tempo, conectar pessoas e lugares, intensificar a eficiência e aumentar a qualidade de vida dos indivíduos. Precisamos ter em mente que, apesar de todo o potencial, o controle e a “palavra final” devem ser sempre de um ser humano. A tecnologia deve estar a serviço do homem e não o contrário. É preciso, portanto, regulamentar o uso da mesma, controlar o poder que ela possui, dominar o seu ímpeto e “decifrá-la” para que ela não nos “devore”.

 

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