Políticas Públicas Judiciárias e Acesso à Justiça
Introdução
A baixa qualidade do acesso à justiça é representada pelos gargalos do sistema, que expressam a deficiência da entrega da prestação jurisdicional, além das altas taxas de congestionamento e da consequente falta de efetividade do modelo. É preciso reabrir a máquina do Judiciário para revelar outra forma de ser.
Isso porque o Judiciário não é mais aquele ente enclausurado no seu habitat, mas outro dentro do mesmo: redimensiona-se em postura, mas não em propósito. Vale dizer, para além da solução adjudicada passa a ocupar espaço enquanto sujeito, ator, formulador e executor de políticas públicas singularizadas para atender questões sociais, em acréscimo à atuação jurisdicional.
Apresentados os eixos: acesso à justiça, políticas públicas e Judiciário, importa, de plano, realizar um corte. Embora o estudo envolva a atuação do Judiciário em políticas públicas, o objeto de pesquisa não invoca a justiciabilidade. O tema central é a política pública judiciária, dando oportunidade e concretizando o acesso à justiça. Não revolve o papel de julgador do Judiciário, mas sim o de agente moderador do conflito social, via ações e programas com natureza de política pública na quadra do acesso à justiça.
O acesso à justiça incorpora constante mudança no curso dos diferentes momentos históricos percorridos no Estado liberal, moderno e contemporâneo. As perspectivas foram sendo ampliadas de modo não linear, no que se constata a multidimensionalidade do movimento compreendido por inacabado. Gradualmente adensados instrumentos de eficiência prática ou efetiva no acesso à justiça, esse panorama abrange tanto o acesso em si, como os múltiplos instrumentos que podem compor suas portas e seus resultados em todas as dimensões dos contornos consagrados.
Essa constante renovação do movimento de acesso tem promovido a contínua adaptação do sistema de justiça, a fim de atender interesses recém-conhecidos, muito além da solução adjudicada, por ações envidadas no sentido de trazer impacto social e esforços para atingir direitos-princípios constitucionais, especialmente o de acesso à justiça sob a dimensão das políticas públicas judiciárias.
O escopo passa a ser um acesso à justiça qualitativo e substancial, que se concretiza não apenas pela eficiência e efetividade de provimentos jurisdicionais, mas que também compreenda políticas públicas, com o compromisso de resgatar a cidadania, avançando na direção de um Estado social alavancado pela positividade jurídica, conferindo funções de Estado ao Poder Judiciário.
A necessidade da dogmática jurídica implicou a investigação científica baseada em dois eixos primordiais: acesso à justiça e políticas públicas. Os fundamentos teóricos contemplados na primeira parte foram ao encontro do exame empírico dos pilares que sustentam a proposta de catalogação de uma categoria própria da atividade judicial, denominada Políticas Públicas Judiciárias.
Para cumprir tal mister, o presente estudo dividiu-se em seis capítulos:
1) introdução;
2) acesso à justiça;
3) ondas renovatórias de acesso à justiça;
4) políticas públicas;
5) políticas públicas judiciárias;
6) conclusão.
Por meio de ampla revisão bibliográfica, inaugura-se a investigação com análise dos delineamentos histórico-conceituais do movimento de acesso à justiça, perpassando seus disciplinamentos nos normativos nacionais, internacionais e modelos comparados. Estruturado com a finalidade de fornecer uma abordagem sobre a transformação do enfoque do acesso à justiça, fica assentado logo no segundo capítulo um conteúdo de largo espectro.
Mais do que mero acesso ao Poder Judiciário, o intento é contribuir para uma ordem jurídica justa enquanto instituição estatal, primando por valores e direitos fundamentais, não restritos ao ordenamento jurídico processual. Com efeito, não basta o acesso aos órgãos do Poder Judiciário a custo baixo e com atendimento ao conteúdo formal do acesso à justiça, é preciso viabilidade na completude do funcionamento, proporcionando a implementação dos direitos frustrados, nas diversas formas de atuação dos serviços judiciários.
O entendimento em questão possibilita que a garantia estatuída no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, contemple a concretização de um direito fundamental do homem, representando a proteção de uma ordem de valores. Afinal, o acesso à justiça passou a abranger aspectos democráticos, de cidadania e de inclusão, sustentáculo do Estado Democrático de Direito no prisma que lhe confere autenticidade ao promover um sistema jurídico acessível, moderno, seguro, inclusivo e célere, que assegure direitos constitucionais ao passo que confirme a observância de deveres pelos cidadãos.
Aberto o caminho no horizonte dos problemas e soluções do novo paradigma do acesso à justiça, o desafio que segue consiste em buscar alternativas inovadoras, passíveis de proporcionar um redesenho no funcionamento do sistema de justiça para conduzir à essência do seu papel, mais próximo e sensível às demandas da população.
Norteado pelo referencial teórico da presente obra, o terceiro capítulo perfilha a mesma linha metodológica, agora concentrada no exame descritivo do acesso à justiça. Assim, com sustentação no Projeto Florença e no trabalho correlato, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, define-se cada uma das ondas
renovatórias do acesso à justiça, individualmente consideradas, observada em
visão retrospectiva a proposta central dos autores vis-à-vis às medidas adotadas
no sistema jurídico brasileiro, catalogado o extenso rol de reformas que corres-
pondem às ondas cappellettianas.
Desenvolve-se a ideia do novo enfoque no contexto da terceira onda renovatória, sob a ótica da multidimensionalidade do acesso à justiça e o rol ilimitado de forças ínsitas a este movimento. Fixa-se que a terceira onda não limitou suas ponderações à justiça convencional, pois defende incentivo de mecanismos alternativos consensuais como vias concretas de acesso à justiça, alavancando a construção de portas alternativas para incrementar o cenário inovador, que não se esgota apenas nos mecanismos de arbitragem, de mediação e de conciliação.
Com base nas premissas transformadoras, anuncia-se a concepção de outro enfoque assentado no desenvolvimento de políticas públicas judiciárias para ampliação da capacidade de respostas por parte do Poder Judiciário.
O quarto capítulo prossegue com o entrelaçamento do direito e das temáticas gerais relativas a políticas públicas, disseminado principalmente após a ascensão da nova moldura dos direitos sociais que reclama prestações positivas do Estado. Por certo, neste ambiente de investigação mostra-se necessário recorrer às diversas áreas científicas que procuram entender o papel do Estado, sua estrutura e funções permanentes. Na esteira das diversas acepções, a polissemia do termo política pública abarca dimensão integrativa nas searas política, sociológica e jurídica.
A ausência de consenso doutrinário sobre a definição das políticas públicas determina a necessidade de exame abrangente para averiguar os seus contornos conceituais e características identificadoras, de modo a visualizar a esfera de inserção do tema na práxis internalizada no Poder Judiciário.
Imprescindível, portanto, conhecer os modelos explicativos da atuação dos governos e demais atores a partir da identificação dos problemas que se pretendam corrigir. Além disso, tratando-se, como se trata, de uma ciência multidisciplinar, a sedimentação das etapas que compõem uma política pública autoriza organizar a complexidade dos atos desencadeados, inclusive no espaço jurídico.
No quinto capítulo propõe-se um alargamento do pensamento doutrinário que restringe a propositura e a implementação de políticas públicas aos Poderes Legislativo e Executivo. Em superação da perspectiva tradicional o Poder Judiciário é apresentado como ente estatal, participante ativo, formulador de políticas públicas judiciárias, voltadas ao aperfeiçoamento da prestação dos serviços que lhe são inerentes, em ampliação do princípio do acesso à justiça.
A compreensão objeto de estudo tem fundamento na unidade do Estado contemporâneo, de maneira que os poderes estatais têm atribuições que se imiscuem num panorama mais complexo e com interpenetrações, pois, em acréscimo às tarefas tradicionais, outras complementares são exigidas, num balanceamento a um só tempo capaz de traduzir a realização dos princípios fundantes, em defesa das liberdades e dos demais direitos.
Assim é que cabe ao Poder Judiciário o tratamento de temas no âmbito de suas atribuições e a formulação de políticas públicas judiciárias, concedendo ao jurisdicionado as ferramentas necessárias para efetivação do acesso à justiça. As características aventadas têm natureza atípica e são complementares à função principal.
Concebida a natureza flutuante das políticas públicas, sobressaem ações que almejam concretizar direitos, conformando um novo dimensionamento da atuação do Estado, por via de fluxos de ações programadas, análise e decisões, destinadas a criar condições para atender com eficiência às variadas necessidades da administração do Estado e do judiciário.
Contemplados os horizontes em curso são investigadas ações empíricas (conciliação e mediação; sistema carcerário, execução penal e medidas socioeducativas; violência contra a mulher – Lei Maria da Penha; programa trabalho seguro) para validação da teoria proposta, pois na ação está a prova. No contexto da terceira onda, dentre as múltiplas dimensões de acesso à justiça, revelam-se os programas e ações já implantados com a feição de políticas públicas judiciárias.
Destinados papéis flexíveis ao Poder Judiciário, diversos protagonistas institucionais cumprem a função de fazedores de política pública. Este mister enuncia o caráter político institucional do Judiciário que deixa sua inércia e engendra ações para atender uma finalidade social e incrementar substancialmente o acesso à justiça.
Enfrentadas as vertentes das doutrinas identificadoras e a polissemia da definição de política pública, a obra revela atividade atípica do Poder Judiciário em atuação que integra a multidimensionalidade do acesso à justiça.
O estudo foi desenvolvido mediante análise conceitual, amparada em vasta revisão bibliográfica, com certificação de dados empíricos colhidos em base documental oficial. A partir destes parâmetros, por abordagem hipotético-dedutiva, encerra-se a pesquisa, edifica-se a proposta.
Links
• Ver obra• Sumário
• Prefácio
• Introdução
• Folheie a obra