Elementos de Direito Internacional Privado

Introdução

Não temos dúvida de que o Direito Internacional Privado deve seu estudo e desenvolvimento à globalização do mundo moderno. A rica interação entre os países, a facilidade dos deslocamentos humanos, além fronteiras, a relativa fluidez destas, o crescimento populacional, o arrefecimento dos nacionalismos, a ideia de que o ser humano é um cidadão do mundo, as convenções internacionais, que protegem o ser humano e lhe concedem direitos, e mesmo, deveres internacionais; o fato, por tudo isso, de que o Direito Internacional preocupa-se em grande parte mais com as relações humanas do que com as relações entre Estados e o reconhecimento fundamental de que o Direito vem do ser humano e volta-se para o ser humano, apesar da intermediação das organizações, instituições e empresas, por ele criadas, que não teriam razão de ser se não voltassem para o próprio ser humano, tudo leva a uma valorização do estudo dessa área do Direito.

A partir daí considera-se o novel espaço conquistado pelo Direito Internacional Privado, que trafega entre o Direito Interno e o Direito Internacional, à medida que faz aplicar algumas regras objetivas dos tratados internacionais, a maioria, buscando a adaptação e adequação ao direito interno dos países, e outras, poucas, impondo alguma uniformidade de normas nos diversos Estados.

Na verdade, em princípio, a par de diversas discussões que ensejam a matéria, entendemos que o Direito Internacional Privado pertence ao Direito Interno do Estado, isto é, um de seus ramos, como é o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Penal e outros. Todavia, de qualquer modo, ao contrário do passado, tido como eminentemente técnico, em nossos dias, há uma dimensão maior para essa área do Direito, que não pode fugir às premissas dos direitos humanos e fundamentais dos indivíduos.

É bem verdade, que, basicamente, o Direito Internacional Privado, que costumamos designar com a sigla DIPr, tem o seu corpo de normas essencialmente concentrado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657 de 4.9.1942), que mudou sua denominação, de Lei de Introdução ao Código Civil – LICC, para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, pela Lei n. 12.376 de 30.12.2010, antes com 18 artigos básicos, e ora com 30 artigos e mais o Decreto n. 9.830 de junho de 2019 que acrescentou 25 artigos.

Apesar da necessidade de estudo aprimorado de cada um desses artigos, para bem manejar a técnica, insistimos que a base interpretativa fundamental tem os princípios do Direito moderno em todas as suas vertentes, voltado para o ser humano, para a noção de ordem pública, interna e internacional, para a já consagrada noção de relatividade da soberania do Estado – embora a soberania seja sempre tida como absoluta – que não é mais o Estado-nação, e sim, um dos membros da comunidade internacional.

Este é um manual introdutório, se é que esta denominação pode ter razão de ser? Entretanto, é assim que o propomos, o que, por óbvio, não dispensa as grandes obras e estudos. Serve para o aluno que deve tomar um contato inicial com a matéria, e depois, se a ela afeiçoar-se, poderá aprofundar o seu estudo nos grandes mestres.

Embora, a modesta vocação desse escrito, ela não dispensa um certo caminho didático, com algum rigor técnico de divisão da matéria, a saber: conceito e abrangência; objeto (conflito de leis no espaço), fontes, pessoas (natural e jurídica), condição jurídica do estrangeiro, regras de conexão, aplicação e prova do direito estrangeiro, princípios do Direito Internacional Privado, reenvio, fraude à lei, conflito de jurisdições e processos, o Direito empresarial e seus contratos (noções básicas) e arbitragem (também noções preliminares).

Stranger já destacava o caráter cosmopolita do homem.(1), observando a universalidade dos problemas humanos, a convivência como imperativo da natureza humana, as divergências que ocorrem nos relacionamentos entre pessoas, que vivem em territórios diferentes, sob ordens jurídicas diversas.

A diversidade legislativa, portanto, cria a necessidade da matéria, uma vez que cada país, com seu sistema jurídico peculiar, determina os direitos e deveres das pessoas que nele vivem e a situação jurídica dos bens, o que faz a pluralidade de sistemas jurídicos, e a situação de que tais sistemas são aplicáveis também a fatos e atos que ocorrem da interação com os estrangeiros, dentro e fora do país. Por outro lado, é natural que cada povo tenha um modo próprio de ver a vida e a partir daí construa seu próprio corpo de normas, pelas condições de tempo e de lugar em que vivem.

A uniformidade de legislação – sonho – pode em parte ser alcançada pelos eventuais tratados assinados entre países, principalmente quando fazem parte de um mesmo bloco regional, ou organização, mas tal aspiração – de muitos idealistas – dificilmente é de ser alcançada no contexto global, muito embora nos seja cara a ideia de que no planeta Terra, abriga o ser humano, e tudo que nele fazemos, independentemente de nossa história e cultura particulares, atinge a todos, nesse mundo globalizado, quer seja na saúde, na economia, no meio ambiente, nas ações criminosas, nas relações empresariais.

Com tudo isso, não se olvide, como já mencionamos, que existem uma série de princípios que asseguram os direitos do ser humano, e que toda organização jurídica, por mais particular que seja, deve zelar pelos direitos básicos de qualquer pessoa, independentemente, de sua nacionalidade, contemporizando os direitos e garantias previstos em um Estado, com os direitos e garantias postos em outro. O Direito é natural ao homem. Esta ideia vai ao encontro de uma concepção filosófica mais profunda, não aceita pelos positivistas radicais, nos valendo de Hervada: todo fato cultural baseia-se sempre e necessariamente em um dado natural. c) Após o que foi dito, vamos passar à realidade jurídica. Se no homem ocorre o fenômeno jurídico – normas, relações, direitos -, isso é possível somente porque na própria estrutura da pessoa humana há uma juricidade radical e básica, ou, o que dá na mesma, um núcleo radical de juridicidade natural; isto é, porque a pessoa humana está constituída entitativamente como ser jurídico, que é o que atua como capacidade ou potência do jurídico cultural.

Se a realidade jurídica existe, é necessário que a pessoa humana esteja naturalmente constituída de tal modo que seja um ente que, por própria constituição ontológica, se organize para ser regulado por normas, se relacione juridicamente e seja capaz de direitos e obrigações. É impossível que o homem seja naturalmente um ser ajurídico, e que, por consequência, o fenômeno jurídico seja inteira e radicalmente apenas um fenômeno cultural; tratar-se-ia de uma criação do nada, coisa impossível para o homem. Sem esse núcleo ou dado – o dado – natural, não seria possível o fato cultural do fenômeno jurídico.

É nessa concepção que acreditamos: o Direito é um fenômeno natural e o Direito positivado em cada país recebe, de algum modo, esta seiva fundante, que faz parte do próprio ser humano, ainda que os diversos sistemas jurídicos, revelem-se, num primeiro olhar, muito diferentes entre si.

 

(1) STRANGER, Irineu. Direito internacional privado. Parte geral. 5. ed. São
Paulo: LTr, 2005. p. 25

2) HERVADA, Javier. Lições propedêuticas de filosofia do direito. São Paulo:
Martins Fontes, 2008. p. 327.

 

 

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