Direito Sindical

Introdução

Não é desconhecido que, nos tempos atuais, no Brasil, a luta dos trabalhadores é pela preservação do mínimo, em relação ao que foi, durante longos anos, conquistado. e nem isso estão conseguindo, como se pode ver na ainda recente Lei n. 13.467/2017, comumente denominada de “reforma trabalhista”, a respeito do que falamos ao longo desse livro, e em que houve modificações de monta, a maioria em desfavor dos trabalhadores.

As modificações introduzidas no sistema de produção, pela busca das empresas de modernização e competitividade, dentro de quadro em que a concorrência, incluindo aí a externa, é cada vez maior, têm levado a caminho sem volta de redução a qualquer preço dos custos e, com isto, à diminuição de postos de trabalho.

O fantasma do trabalhador brasileiro continua sendo o desemprego, às vezes, o trabalho precário, que assume proporções jamais experimentadas em nosso país. O objetivo maior do trabalhador, hoje em dia, é seu emprego, se possível com a preservação dos direitos que lhe forem possíveis.

Deveria ele contar, nesta luta, com a sua fonte maior de força: a união.

esta, desde os primeiros embates travados, ainda na Revolução Industrial, revelou-se a forma mais eficaz, senão única, que o trabalhador tem para se igualar ao outro sujeito da relação de trabalho, o tomador dos serviços.

Dessa união, como símbolo e resultado, surgiu o sindicato, entidade que resulta da soma de vontades de seus integrantes e que tomou para si a responsabilidade de defender os interesses destes.

Ocorre que isto, no Brasil, regra geral, não existe, pelo menos não de forma eficaz.

O que temos é um sindicalismo profissional que assiste, às vezes atônito, às vezes desinteressado — ou mais interessado em sua própria manutenção: o sindicalismo —, aos trabalhadores terem seus direitos retirados, sem condições de intervir neste processo para, estabelecendo posição de equilíbrio, forçar solução que atenda aos interesses de todos.

Não há sindicalismo em condições de agir. Não há, também, união. É que esta, em sistema que prega o sindicato único, que não abre espaço para outras formas de representação de trabalhadores, ou uma representação plural, não pode, em condições razoáveis, existir.

Como falar em união, se está só pode ocorrer no plano jurídico, que é onde os conflitos são resolvidos, por meio de um sindicato debilitado e ineficiente? Sendo os problemas gerados por modelo de organização dos trabalhadores que não mais dá resultados, é imperioso achar forma de possibilitar melhor representação dos interesses dos trabalhadores, quer pela alteração do modelo de sindicalização existente, quer pela busca de novas formas de representação.

Nosso estudo é um pedaço desta busca.

Para isto, estabelecemos como fecho do texto, depois do estudo genérico do Direito Sindical, com destaque para o modelo brasileiro, a análise da comissão de empresa, com a formulação de proposta para sua implantação de maneira efetiva no Brasil.

É que, de todas as mazelas geradas por um sindicalismo ineficaz, com certeza uma das mais perversas decorre do vazio que existe no interior dos locais de trabalho — e que, talvez, um dia possa ser agora ocupado pela representação dos trabalhadores nas empresas, prevista no art. 11 da Constituição da República e nos arts. 510-A a 510-D, da CLT, incluídos pela reforma trabalhista, e sobre o que falamos mais à frente —, no tocante à representação dos trabalhadores, que assistem, de longe, a um sindicato que negocia — mal e com parcos resultados — questões de interesse geral da categoria, mas não está presente para resolver os problemas de seu dia a dia.

Pelo contrário, é entidade que, muitas vezes, do ponto de vista dos trabalhadores, não consegue ser vista como algo concreto, que esteja ao lado do seu representado quando este necessita.

A escolha da comissão de empresa como objeto final de estudo, entretanto, não se deve apenas ao fato de haver um vazio na representação dos trabalhadores na empresa, pois, dentro desta ótica, poderíamos escolher qualquer forma de representação, ou até centrar a análise em todas elas.

A delimitação feita obedeceu a alguns fatores, que devem ser enunciados:

1) o fato de que o Brasil, embora não possua previsão legislativa da comissão de empresa, tem experiência a respeito do tema, dentro da autorregulamentação, embora não tão significativa como poderia ser;

2) a existência de experiência, incluindo a legislativa, em outros países, que permite, com o primeiro fator, o estabelecimento de noções concretas a respeito do tema, permitindo a formação de um juízo sobre o assunto que permita a formulação de proposta para um problema real: a falta de representação eficiente dos trabalhadores na empresa; e

3) a conclusão, preliminar e à guisa de hipótese, de que esta forma de representação, caso implantada em base mais sólida, pode ser fator para a solução do problema apontado.

Para chegar à conclusão que negue ou confirme a última assertiva, dentre as diversas orientações que poderiam ser seguidas, elegemos a que, talvez, seja a mais abrangente.

Optamos, especialmente a partir da publicação deste estudo como livro, agora em sua 10ª edição, por partir de uma visão geral do sindicalismo brasileiro, estudando suas principais instituições e institutos, detalhando, assim, o campo onde, necessariamente, situaremos a comissão de empresa, até chegar à análise dos aspectos próprios do objeto que foi delimitado.

No tocante à pesquisa, além da análise das fontes primárias (o ordenamento jurídico e as decisões jurisprudenciais), fizemos a indispensável consulta à bibliografia existente a respeito dos temas analisados.

Dentro da metodologia, e sobre a ideia que fecha esta introdução, todo o estudo está baseado na análise do modelo de relações coletivas de trabalho brasileiro, em permanente confronto de sua estrutura com a ideia de liberdade sindical.

Para isto, elegemos como referências básicas o posicionamento, normativo e doutrinário, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em primeiro lugar.

Isto porque a OIT oferece, de forma consolidada, modelo básico de relações coletivas de trabalho com liberdade sindical, que pode servir de norte para todo estudo que pretenda partir desta premissa.

Observe-se que esse modelo está estabelecido em ideia de liberdade que é própria do sistema capitalista, apresentando como postulados, por exemplo, o pluralismo e a igualdade de forças em sistema em que há uma classe de produtores e outra de trabalhadores.

Não é nem seria a mesma ideia em sistema em que os trabalhadores são considerados os detentores de todos os meios e que, portanto, têm a organização sindical sustentada em outras premissas que não as acima enunciadas.

Como diz Everaldo Gaspar Lopes de Andrade, “os sindicatos do mundo socialista devem ser encarados dentro da teoria socialista. Do mesmo modo que a democracia e as liberdades. De preferência, sem preconceitos”. Sem preconceitos, mas, hoje em dia, também sem importância, até porque um modelo totalmente controlado, em que as liberdades são ignoradas, não serve como parâmetro para pensar em uma forma de união das pessoas em um ambiente que só pode ser o democrático.

De qualquer sorte, o modelo de relações de produção em que vamos, no final do livro, inserir nossa proposta de implantação da comissão de empresa como meio de representação direta dos trabalhadores na empresa, entretanto, é o brasileiro que, embora com mais vícios do que virtudes, adota o modelo capitalista, pelo que é preciso raciocinar com base nele.

Isto não quer dizer, porém, que podemos descurar de experiências que foram formuladas com base em outra concepção, como foi a experiência dos conselhos de fábrica italianos das primeiras décadas deste século XX, influenciada por Gramsci e o grupo da revista Ordine Nuovo, dentro de concepção revolucionária.

Apenas, não será esta a trilha que seguiremos.

No Direito estrangeiro, dentro da linha invocada, demos preferência — principalmente a partir da segunda parte do estudo, dedicada à representação dos trabalhadores e, mais propriamente, à comissão de empresa — à análise dos sistemas de países que guardam relação com o sistema produtivo escolhido; que tenham ligação, por diversas circunstâncias, com o Brasil, e que sejam portadores de experiência relevante, no plano jurídico e/ou no plano fático, em relação aos temas abordados.

Assim é que, como se verá, deve sobressair a Espanha, possuidora de um sindicalismo com liberdade sindical, pós Franco, dentro de modelo extremamente complexo, do ponto de vista da multiplicidade de regras.

Do mesmo modo Portugal, com experiência de liberdade sindical recente (em termos históricos), mas que muito tem a oferecer em termos de elaboração de modelo, devendo, em relação a este país, ser ressaltada nossa identidade, fruto de experiência de mais de 300 anos de uma relação colonizador x colônia.

Natural, também, a opção pela Itália, outro país a adotar a liberdade sindical, depois, como os anteriores, de experimentar regimes de força, mas que tem modelo que evoluiu em moldes diversos, à margem de uma normatividade rígida, o que lhe dá a característica de se notabilizar pela alta prevalência da autonomia privada coletiva.

Por outro lado, com estes e outros países, na primeira parte, destacadamente, impõe-se analisar, em vários aspectos, o modelo sindical dos estados Unidos da América, até pela maneira própria como ele foi estabelecido, com base em valores econômicos, sociais, políticos e morais bem típicos, bem como em razão de seu sistema jurídico ser distinto dos países acima elencados e do Brasil.

Toda esta análise do Direito estrangeiro, porém, deve ser ressaltada, sendo feita levando em consideração a advertência feita por Cássio Mesquita Barros, quando trata da participação dos trabalhadores na empresa, mas que serve para toda e qualquer hipótese. ela, integralmente, é a seguinte:

“Cabe, ainda, à guisa de conclusão, assinalar que a riqueza da experiência internacional esbarra na consciência de que temas como o da participação dos empregados nas decisões das empresas só podem ser compreendidos no contexto do desenvolvimento histórico do sistema de relações do trabalho de cada país. este sistema por sua vez está ligado ao contexto social, econômico, político, cultural e legal de cada país.

Por isso se costuma dizer que transferir um esquema da participação dos trabalhadores nas decisões das empresas, adotado em um país, é tão perigoso como o transplante de um órgão a outro ser humano.”

Ainda a respeito do direito estrangeiro, cabe observar que, como sua utilização é feita para pontuar, especialmente em perspectiva doutrinária, os diversos aspectos estudados do Direito Sindical brasileiro, não há aqui a preocupação de fazer, em todas as edições, sua atualização, salvo quando imprescindível para o estudo que se faz das relações coletivas de trabalho no Brasil.

embora seja este um estudo feito com base no Direito, não se pode, quando se tem tema que, no Brasil, não possui base legislativa, deixar de fazer análise direta dos fatos sociais, bem como prestigiar a evolução histórica dos institutos abordados, pois esta fornece elementos indispensáveis para a compreensão destes.

No que diz respeito à estrutura do trabalho, iniciaremos pelo estudo do Direito Sindical, analisando, dentro das partes que o compõem, seus principais institutos. A primeira parte do trabalho resultará do cumprimento desta tarefa.

Passado este primeiro momento, volta-se o segundo à análise que constituiu o objetivo final do trabalho, enquanto tese de doutorado e, então, serão estudadas as diversas formas de representação dos trabalhadores, chegando-se até a que é a nossa principal preocupação: a comissão de empresa.

Observe-se que o estudo das diversas formas de representação, bem como, especificamente, da comissão de empresa, não representa algo novo, no plano mundial em alguns países, como a Espanha, o modelo de relações coletivas de trabalho alberga esta forma de representação, havendo, portanto, experiências solidificadas Mesmo no Brasil, onde não existe maior espaço para atuação da comissão de empresa, existem estudos sobre a matéria. Não temos a pretensão, pois, de oferecer, com este texto, algo de inovador sobre o instituto, salvo nova visão, ou, pelo menos, visão pessoal da questão que, entendemos, deve ser feita como proposta que envolva as relações coletivas de trabalho como um todo.

Todo o estudo parte de ideia definida e que norteará todo o desenvolvimento do trabalho esta ideia é a liberdade sindical, podendo ser identificada na seguinte afirmação de Cássio Mesquita Barros Jr.:

“O princípio jurídico fundamental em que se baseiam os sistemas modernos de relações entre trabalhadores e empregadores é o de que a organização sindical é livre.”

Isto, ressalte-se, dando-lhe visão ampla: de que a liberdade sindical relaciona-se ao direito dos trabalhadores, principalmente de definir as formas mais eficazes de agrupamento, com vistas à defesa de seus interesses.

 

 

 

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