Fatores de Risco Psicossociais do Trabalho
Introdução
Desde o caos psicossocial que assolou o mundo do trabalho durante a pandemia do Covid-19, não me saiu do pensamento a importância da elaboração de um programa permanente de gestão dos fatores de risco psicossociais do trabalho no rol das ações de saúde e segurança do trabalho das organizações, começando pela capacitação de todos os seus gestores, trabalhadores e dos seus profissionais de saúde e segurança do trabalho (SST). A pandemia potencializou no contexto do trabalho uma gama de fatores de risco psicossociais que foram determinantes para o pico brutal de sofrimento e adoecimento dos trabalhadores, especialmente da sua saúde mental, mas também de mortes relacionadas às doenças cardiovasculares, em função do desequilíbrio de forças entre o excessivo estresse do trabalho e as defesas psicofisiológicas de enfrentamento dos trabalhadores.
No Brasil, a exemplo do que ocorria em todo o mundo, as organizações não estavam preparadas para se defrontar com o novo cenário dos riscos psicossociais do trabalho haja vista que o gerenciamento do risco psicossocial do trabalho não era, em regra, objeto de suas ações de SST. Este cenário motivou, inclusive, a Organização Mundial de Saúde – OMS a publicar durante a pandemia um guia de orientação às organizações para o gerenciamento dos fatores de risco psicossociais do trabalho. A OMS destacou: As características individuais dos trabalhadores devem ser consideradas ao se avaliar os riscos associados a cada perigo, particularmente em relação aos fatores de risco psicossociais do trabalho, pois cada indivíduo tem uma resposta diferente ao estresse.
Durante a pandemia me recordo que a grande maioria das nossas organizações elaborava planos e protocolos de contingência, incluindo, quase que exclusivamente, ações de engenharia de segurança com o objetivo principal de instituir barreiras para eliminar o contato físico e respiratório entre os próprios trabalhadores e entre os trabalhadores e o público. Quando identificávamos nos protocolos ações direcionadas à gestão dos fatores de risco psicossociais do trabalho, elas se limitavam a identificar e priorizar o isolamento dos grupos de trabalhadores mais vulneráveis às complicações do Covid-19, bem como criar rotinas para o acolhimento e/ou o acompanhamento psicológico dos trabalhadores em sofrimento mental. Portanto, a gestão dos fatores de risco psicossociais do trabalho nas organizações neste período se limitou às ações de prevenção secundária e terciária, respectivamente, o rastreamento e o tratamento dos trabalhadores adoecidos em função do risco ocupacional ergonômico psicossocial do trabalho. As ações de prevenção primária, mediante a prévia identificação dos fatores de risco psicossociais do trabalho, a fim de buscar a sua eliminação, não foram objeto dos protocolos de contingência das organizações, tampouco implementadas.
Por fim, encerrada a crise sanitária pela Covid-19, percebemos que a pauta relacionada à gestão dos fatores de risco psicossociais do trabalho, na grande maioria das nossas organizações, não decolou e aquelas poucas organizações que se propuseram a desenvolver ações para a gestão dos fatores de risco psicossociais do trabalho mantiveram o status quo da pandemia, mantendo apenas ações de prevenção secundária e terciária em relação aos fatores de risco psicossociais do trabalho, incorrendo, portanto, em desacertos e desinformações quanto às estratégias para a sua gestão, notadamente, a identificação dos fatores de risco psicossociais do trabalho sob a ótica individual de cada trabalhador, tendo em vista o fato de que cada indivíduo tem uma resposta psicológica diferente ao estresse.
Aliás, no tocante à esta questão, da importância da autoavaliação de cada indivíduo, no que tange à sua percepção da relação entre a sua capacidade, necessidade e valores e os fatores psicossociais do seu meio ambiente social ou do trabalho, vou me permitir voltar no tempo, ao ano de 1998, para exemplificar a pertinência atemporal e a abrangência deste tema. Em outubro daquele ano apresentei, no Congresso Brasileiro de Nefrologia em Porto Alegre/RS, um trabalho, intitulado “A avaliação da qualidade da diálise sob a ótica do paciente” cuja metodologia incluiu, além do monitoramento prospectivo, de 18 meses, dos indicadores de saúde clássicos da literatura para o tratamento dialítico, a autoavaliação semestral dos pacientes da sua saúde física, mental e social, através de um questionário estruturado de 30 itens. O trabalho foi bastante enaltecido pela comissão científica do congresso, devido à ênfase do estudo sobre a necessidade de uma avaliação holística da saúde. Na época, existia uma máxima na literatura médica, utilizada de forma corrente pelos nefrologistas, de que a efetividade do tratamento dialítico e, por conseguinte, a qualidade de vida do renal crônico, eram determinadas pelo resultado de alguns “exames laboratoriais”, tais como, o índice da redução da ureia por tempo da sessão de diálise, níveis séricos de albumina, transferrina, leucograma, etc. Pois bem, estes “indicadores de saúde” eram, e ainda são, importantes na gestão do tratamento, porém, tal como identificado na conclusão do nosso estudo, em consonância com outros trabalhos da literatura especializada à época, eles não eram suficientes para atestar se o renal crônico estava “bem tratado” haja vista que muitos pacientes identificados pelo nefrologista com excelentes “indicadores de saúde” não autoavaliavam a sua saúde física e, sobretudo, mental e social de forma satisfatória.
Muitos pacientes considerados “bem tratados” relatavam depressão, ansiedade, autodepreciação, perda da vocação, falta de férias e medo da morte, situações as quais não eram identificadas pelos médicos, utilizando os clássicos indicadores de saúde preconizados pela literatura especializada.
Enfim, há décadas já temos estudos comprovando a importância da avaliação da percepção intrínseca de cada indivíduo sobre a relação entre os fatores psicossociais da relação de uma ação ou situação de vida social ou do trabalho e a sua subjetividade psicológica, pois ela é única e própria de cada indivíduo, de modo que ela não pode ser mensurada, de forma fidedigna, por meio da avaliação de terceiros.
Segundo um preceito da prática médica, somente o paciente pode verdadeiramente atestar como está a sua saúde. De forma similar no mundo do trabalho, podemos assegurar que apenas o trabalhador tem condições de atestar como está a sua saúde física, mental e social no seu meio ambiente de trabalho, conceituando saúde como um estado não somente de ausência de afecções e enfermidades, mas de um completo bem-estar físico, mental e social (psicossocial).
Neste raciocínio, para a efetividade da gestão dos fatores psicossociais do trabalho, é condição sine qua non a adequada identificação dos fatores de risco psicossociais do trabalho sob a ótica de cada trabalhador, pois o risco relacionado aos fatores psicossociais do trabalho está associado ao resultado da avaliação subjetiva e individual que cada trabalhador elabora do seu trabalho a partir da gestão organizacional, contexto da organização do trabalho, característica das relações sociais no trabalho, conteúdo das tarefas do trabalho, condição do ambiente de trabalho, interação pessoa-tarefa, jornada de trabalho, violência e assédio moral e sexual no trabalho, discriminação no trabalho, risco de morte e trauma no trabalho e desemprego, vide rol dos fatores psicossociais do trabalho relacionados à inúmeras doenças descritos na Portaria MS 1999/2023 do Ministério da Saúde.
Além disso, a incorreta identificação do risco ocupacional ergonômico psicossocial do trabalho no Programa de Gerenciamento de Risco – PGR implica no prejuízo das organizações em instituir ações de prevenção primária para a eliminação dos fatores de risco psicossociais do seu meio ambiente de trabalho.
Em suma, diante de todo este contexto, na qual a gestão dos fatores psicossociais do trabalho nas nossas organizações ainda está longe de ser uma realidade, apesar do seu elevado potencial de adoecimento e impacto na qualidade de vida dos trabalhadores, inclusive com viés de alta nos últimos anos, me motivei a escrever esta obra cujo objetivo é informar e conscientizar as organizações e os colegas da área de saúde e segurança do trabalho (SST) sobre a importância da gestão permanente dos riscos ocupacionais ergonômicos psicossociais no contexto do trabalho.