Os Esportes Eletrônicos no Brasil

Prefácio

No crepitar da febre social que os esportes eletrônicos provocaram ao redor do planeta, o Brasil emerge como um dos protagonistas deste novo universo competitivo. O país se destaca como o terceiro em audiência de e-sports e o décimo em número de jogadores de videogame, evidenciando a paixão e o envolvimento da população com essa modalidade.

Dentre as áreas de trabalho que suscitam maior otimismo entre os profissionais do setor, destacam-se a criação de conteúdo de jogos (68,3%), as publicações ou marketing com jogos (68%), a programação de jogos (66%), os efeitos visuais para jogos (65,7%) e o segmento de arte, ilustração e animação de jogos (65%).

A projeção de crescimento na América Latina reforça ainda mais a relevância do Brasil nesse contexto, tornando urgente a necessidade de compreendermos os desafios e as especificidades deste fenômeno. Ainda nos ressentimos, todavia, de uma política consistente para essa nova dimensão do trabalho criativo, já que a nossa relevância segue pelo aspecto do consumo — movimentam-se cerca de 13 bilhões de reais por ano —, mas ainda não nos destacamos como centro de criação de jogos.

A obra que que você tem em mãos certamente será um divisor de águas nesse particular escopo. A advogada paulista Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino apresenta ao grande público o fruto intelectual de sua investigação de doutorado, levada a cabo sob os auspícios do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que resultou na obtenção do título de doutora pela FDUSP no final do segundo semestre de 2023, com sugestão de publicação por parte da banca examinadora.

Trata-se de uma singular contribuição para o debate da regulação jurídico-laboral dos esportes eletrônicos no Brasil, desenvolvida a partir de um rigoroso trabalho de análise qualitativa que buscou responder, entre outras, a uma crucial pergunta: é necessária uma legislação específica para regular o setor?

De acordo com Taylor, a cultura dos esportes eletrônicos desafia nossas concepções tradicionais de esporte e entretenimento, exigindo novas abordagens regulatórias que considerem as suas especificidades. Trata-se efetivamente de desporto? No Brasil, aplicam-se, a propósito, a Lei Pelé (Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998) e a recente Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597, de 14 de junho de 2023)? Marcassa conclui que sim; e, nisto, acompanho-a incondicionalmente. Nessa direção, aliás, também Wagner destaca a necessidade de reconhecimento jurídico dos esportes eletrônicos para garantir a mínima proteção da esfera jurídica dos envolvidos (notadamente cyber-atletas e desenvolvedores). Para Hutchins, enfim, a profissionalização dos gamers traz consigo questões críticas relacionadas às condições de trabalho e à saúde dos jogadores, a desafiar novas abordagens, com acurácia e seriedade, porque já não se trata simplesmente de esporte, mas de esporte como mídia, com um nível de interpenetração e indissociabilidade entre desporto, conteúdos midiáticos, tecnologias de informação e comunicação em rede jamais visto nas sociedades humanas.

Forte nessa percepção, a presente obra é dividida em capítulos que exploram concatenada e coerentemente toda essa realidade caleidoscópica, desde a evolução e o desenvolvimento do ecossistema dos esportes eletrônicos até as definições jurídico-doutrinárias que podem caracterizá-los legalmente como esportes. O estudo revela, por meio de levantamentos bibliográficos, jurisprudenciais, legislativos e inclusive empíricos — a saber, entrevistas estruturadas (na verdade, apenas duas entrevistas realizadas com cyber-atletas de times de League of Legends, o que bem revela, na base desses nichos, uma compreensível resistência a qualquer escrutínio jurídico-científico que possa conduzir ao reconhecimento legal-formal de direitos que hoje são objeto de livre negociação) —, desenhando, ao final, um mapa detalhado das problemáticas enfrentadas por jogadores e demais atores envolvidos nesse universo.

Ao longo da obra, com efeito, a autora identifica nada menos do que trinta e oito problemáticas organizadas em sete eixos temáticos: competição, contratos, jogadores, locais de trabalho, regulação, representação e saúde. A análise cuidadosa desses eixos revela que uma parte menor dos desafios já é contemplada pela legislação vigente, enquanto outra parte carece de regulamentação específica, apropriada para o tratamento dos problemas inéditos e/ou intrínsecos à fenomenologia dos esportes eletrônicos. E para promovê-la, direi eu, não haverá campo dogmático mais propício que o Direito do Trabalho e a sua inesgotável normatividade pluricêntrica.

A conclusão de Marcassa, assim, é inapelável: vive-se a premente necessidade de engendrar uma regulação jurídico-trabalhista específica para os esportes eletrônicos no Brasil, capaz de equilibrar, por um lado, especificidade e flexibilidade, e de equacionar, por outro, os diversos gargalos regulatórios do setor, sem, todavia, engessá-lo economicamente. Nessa direção, além de oferecer uma sólida base teórica e prática para futuras regulamentações, a tese deita os melhores alicerces para uma importante reflexão — que não consegue e nem poderia exaurir — sobre a saúde mental dos jogadores, os riscos físicos associados à prática intensiva de videogames e a proteção integral dos jovens que aspiram à profissionalização nesse campo.

Em um momento no qual os esportes eletrônicos se consolidam como uma das principais formas de entretenimento e competição do século XXI, a pesquisa de Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino torna-se, sem favor, uma leitura obrigatória para tantos quantos queiram compreender e aprimorar a regulação deste dinâmico e complexo segmento lúdico-desportivo.

 

Eis aqui, caro leitor, o seu start. Resta jogar o jogo.

São Paulo, 11 de junho de 2024.

 

Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (2015/2017). Juiz Titular da 1a Vara do Trabalho de Taubaté/SP.

 

 

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