Métodos de Solução Extrajudicial de Conflitos Individuais Trabalhistas
Introdução
Atualmente, devido à crise de eficiência no Poder Judiciário, tem se acentuado no Estado brasileiro a discussão quanto à viabilidade da utilização de mecanismos extrajudiciais de resolução de disputas na área trabalhista, principalmente, no que tange às causas envolvendo o direito individual do trabalho.
Os receios sobre esse assunto, em geral, ocorrem em razão da hipossuficiência do empregado e do princípio da proteção existentes nessa seara, já que o trabalhador é detectado como vulnerável em relação ao empregador que possui o domínio dos meios de produção.
Desde a construção teórica do Direito do Trabalho, convencionou-se que no ramo jurídico laboral haveria uma maior necessidade de proteção ao empregado, pela subordinação jurídica existente na relação trabalhista, a fim de evitar o despojamento de direitos e garantias fundamentais que compreendem a dignidade humana. Esse é um dos fundamentos, inclusive, da origem do direito material e processual do trabalho, responsável por proteger o trabalhador que desprende a sua energia em prol do tomador de serviços que, por sua vez, em retribuição ao que lhe foi prestado, possui o dever de tratar com dignidade o empregado e pagar a ele os direitos mínimos derivados dessa relação.
Outro dos fundamentos tem um caráter histórico. Após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de amplo acesso à justiça se fortaleceu no cenário jurídico internacional no intuito de evitar o aviltamento da pessoa humana por meio da preservação de normas jurídicas fundamentais. Dessa maneira, buscava-se impedir que direitos humanos fossem desrespeitados, tal qual ocorrera durante os tempos do holocausto (SOLANO, 2018).
Nesse aspecto, a criação de justiças especializadas foi feita para facilitar o acionamento à jurisdição, pois na seara laboral há uma preocupação específica relacionada ao fato de ser o crédito trabalhista verba de natureza alimentar e essencial para a sobrevivência do trabalhador.
Realmente, a concentração histórica brasileira da tutela dos direitos trabalhistas individuais na via jurisdicional está ancorada na necessidade de ter uma superioridade jurídica ao trabalhador, para compensar a desigualdade econômica presente na realidade fática laboral. Haja vista que, ao longo dos anos, o pensamento jurídico majoritário se desenvolveu no aspecto de que, sem essa proteção por parte do Estado, o trabalhador tornar-se-ia ainda mais desprotegido, pois ele não é o dono do capital e representa um dos fatores produtivos para o capitalista, que detém os meios de produção.
Passado o período de surgimento dos primeiros movimentos sindicais e o estabelecimento de normas jurídicas para reger a relação capital versus trabalho, alguns ordenamentos jurídicos, como no caso do Brasil e da Espanha, conferiram ao monopólio estatal a apreciação de lides laborais, o que levou ao sobrestamento dos tribunais. Além disso, no Brasil, o excesso do Estado no campo trabalhista sufocou o fortalecimento sindical.
Ademais, como política adotada pelo Estado, não se aceitava no Brasil a delegação dessa função às iniciativas privadas. Nos anos 2000 houve a tentativa de estabelecer comissões de conciliações prévias, no caso, as CCPs, porém, elas se tornaram letra jurídica morta.
Entretanto, a Reforma Trabalhista de 2017 tenta ampliar esse cenário, porque passou a haver previsão da arbitragem para resolver o litígio individual do trabalho, quando a causa envolver altos empregados, embora a Constituição de 1988 já admitisse o instrumento para a solução de embates coletivos.
Também trouxe outros instrumentos que extinguem extrajudicialmente do crédito trabalhista.
É fato notório que a sociedade está em constante movimento e o direito como disciplina que estuda os fatos sociais deve se adaptar a eles. Desse modo, pode-se dizer que nos últimos anos vivencia-se no Brasil uma redemocratização do direito, verificado por meio da reforma operacionalizada no CPC de 2015 e em feixes da legislação trabalhista de 2017 quanto à inserção de métodos alternativos fora da via estatal, em que pese a necessidade de limites no âmbito laboral que serão discutidos nesta pesquisa.
Esse movimento tem incentivado a participação dos envolvidos na controvérsia para a sua solução, situação que vai ao encontro do que a OIT recomenda.
Nesse aspecto, pretende-se aferir os meios de resolução extrajudiciais de conflitos, mais especificamente a mediação, a conciliação e a arbitragem no ambiente laboral, para conferir de que maneira eles poderiam contribuir para a prevenção e o termo das disputas trabalhistas individuais, porque o modelo de jurisdição estatal está em crise de eficiência, devido ao acúmulo de processos.
Embora a doutrina divirja quanto à possibilidade de se transacionarem os direitos individuais, em razão da natureza alimentar das verbas trabalhistas e por serem muitas das normas jurídicas laborais de natureza indisponível, a intenção de estudar a viabilidade dos métodos alternativos à via jurisdicional, para encontrar formas mais viáveis para dirimir esses conflitos, decorre da quantidade enorme de demandas, que esperam anos para ser julgadas.
As tentativas de desobstruir o Poder Judiciário laboral no Brasil não são novas, sendo que a criação do instituto das CCPs nos anos 2000 foi feita nesse intuito, e as mais diversas semanas nacionais de conciliação que se repetem todos os anos prestam esse serviço. Soma-se a esse contexto que a Reforma Trabalhista de 2017, por exemplo, acrescentou artigos jurídicos à norma celetista sob o discurso de diminuir a carga de processos existentes. Entretanto, as mudanças normativas realizadas não são capazes de efetivamente trazer as melhorias necessárias ao sistema de justiça, haja vista que ele precisa urgentemente aprimorar seu caráter democrático.
Não houve, por exemplo, modificações no instituto das CCPs para reavivar essas comissões que se tornaram pouco usadas devido à insegurança jurídica que as norteia. Principalmente pela lei não discriminar detalhadamente matérias passíveis de transação, não há confiança nos mecanismos extrajudiciais devido à hipossuficiência do obreiro, por haver normas de indisponibilidade absoluta e em razão do princípio da proteção. Além disso, a reforma trabalhista não tratou do Cejusc e do instrumento de mediação, sendo essa política de autocomposição implementada pelos próprios tribunais por meio de resoluções do CNJ e do CSJT.
Torna-se necessário encontrar soluções mais eficazes para a crise jurídica brasileira. Apesar de a circunstância ser delicada, porque a resolução de litígios individuais laborais fora da via estatal é um campo extremamente controvertido na doutrina e na jurisprudência brasileira, não há mais como fugir do enfrentamento ao problema, pois ele existe e necessita ser resolvido.
Ainda que haja o receio e a resistência histórica em adotar métodos extrajudiciais no campo do direito individual do trabalho, propõe-se uma saída para a crise jurídica existente no país detectada inclusive por meio da estatística e do direito comparado espanhol. Nesse aspecto, situa-se o velho brocardo de que contra fatos não há argumentos. Em outras palavras, é real o excesso de demandas e o fato de que o judiciário não está conseguindo agir em tempo razoável.
Entretanto, a questão que gera divergências é a de estabelecer os meios apropriados para atingir o fim de obter um sistema jurídico laboral brasileiro mais célere e capaz de favorecer o acesso à justiça de modo a atender aos anseios democráticos.
É sabido que, na história, o direito brasileiro, nas suas mais diversas áreas, inspirou-se em outros sistemas jurídicos mais antigos e consolidados, como: o francês, o alemão, o italiano, o americano, o português, entre outros.
Não é por outro motivo que se tenta encontrar medidas eficazes para enfrentar a crise do Poder Judiciário trabalhista brasileiro, tendo como parâmetro espelhar-se no modelo jurídico laboral espanhol que é mais desenvolvido a nível extrajudicial.
Na Espanha, o caminho de abertura e promoção de métodos alternativos na área trabalhista inicia-se na década de 80 e intensifica-se nos anos 90, após a excessiva litigiosidade e sobrestamento dos tribunais, em que foi preciso realizar diversas reformas normativas, assim como a implementação desses métodos contou com o apoio público financeiro e de pessoal e com a participação de agentes sociais. Dessa maneira, houve a opção normativa de implementar um sistema pré-processual no âmbito do direito individual laboral, a nível administrativo e autônomo, como requisito obrigatório para se acionar a via jurisdicional e isso tem contribuído para a evitação do processo judicial.
Por meio de informações estatísticas disponibilizadas pelo CNJ constata-se que a Justiça do Trabalho no Brasil não está dando conta da quantidade de litígios instaurados todos os anos. Em contrapartida, os números demonstram que a conciliação é ferramenta indispensável nessa seara e pode se harmonizar com os princípios da proteção e da indisponibilidade de direitos trabalhistas.
Os dados numéricos quanto às avenças realizadas pelos magistrados e nos Cejuscs recentemente criados apontam que elas são positivas e que favorecem a eficiência do sistema de justiça.
Em análise ao direito comparado, na Espanha, dados numéricos fornecidos pelo governo oficial revelam que o sistema pré-processual, que atua a nível de direito individual do trabalho como pressuposto para o ajuizamento da demanda, é de suma importância, pois resolve milhares de procedimentos antes que eles se transformem em processos judiciais. Isso ocorre principalmente a nível de sistema administrativo na esfera individual e aos poucos vem se consolidando na esfera autônoma, porque se nota a deficiência de uma norma mais pormenorizada para concretizar a segurança jurídica para o uso dessa via. De modo específico, no período de janeiro a dezembro de 2020, os SMAC resolveram 293.878 conciliações individuais, das quais 100.863 (34,3%) restaram acordadas. Nota-se que há uma atuação muito expressiva. Nesse mesmo ano (2020), mecanismos autônomos extrajudiciais de Andalucía, Cataluña, La Rioja e Navarra solucionaram um total de 14.765 conciliações individuais, percentual pequeno com relação ao total de disputas individuais existentes.
Decorrente do fenômeno da constitucionalização do processo/procedimento, a norma jurídica processual deve ser interpretada em conformidade com princípios e valores constitucionais para preservar diversas garantias fundamentais como o contraditório, a ampla defesa, a dignidade humana, a tutela judicial efetiva, entre outros direitos. Considerando que os Tribunais Constitucionais no Brasil e na Espanha possuem a atribuição de direcionar a interpretação constitucional válida para o ordenamento jurídico, torna-se essencial a apreciação da sua jurisprudência com relação aos métodos extrajudiciais na seara trabalhista dos referidos países.
Isso porque as formas processuais/procedimentais são justas quando comprometidas substancialmente com a realidade constitucional e com suas garantias jurídicas. Assim, o processo é justo quando as anomalias originadas da aplicação mecanicista e técnica do procedimento são corrigidas para possibilitar a tutela judicial efetiva (NAVARRETE, 2014, pp. 1-19), o que vem sendo feito por meio da jurisprudência espanhola.
Ao lado da normatização que prevê a passagem obrigatória a esses procedimentos prévios, o posicionamento favorável quanto à compulsoriedade de sistemas pré-processuais pelo TC espanhol foi de suma importância para o desenvolvimento desses métodos não estatais no país. Deste modo, essa decisão do TC contribuiu para que a norma jurídica estabelecesse uma cultura mais democrática no uso de meios extrajudiciais. Igualmente, conta-se com investimentos públicos, financeiro e profissional, para a implementação dos sistemas, sendo, portanto, uma opção política, com a ajuda dos três poderes, a abertura das formas de dirimir controvérsias.
Explicitamente, a jurisprudência emitida pelo TC – (Sala Primera) Sentencia num. 60/1989 de 16 marzo RTC\1989\60 – é favorável à compatibilidade dos métodos de solução extrajudiciais de conflitos com o direito à tutela judicial efetiva de juízes e tribunais previsto no art. 24.1 da CE. Entretanto, o TC admite haver vulneração a esse direito fundamental quando existe uma interpretação excessivamente formalista, rígida e desproporcional das exigências pré-processuais, pois nesta situação cria-se um impedimento na apreciação da demanda pelo Poder Judiciário.
Em outras palavras, o TC, quanto à exigência de requisito para aceder ao Poder Judiciário, considera legítimo e posiciona-se pela interpretação não formalista, primando pela proporcionalidade caso tiver havido algum defeito pré-processual, porque acredita que se foi cumprida a finalidade e a essência do procedimento prévio, que é ofertar a possibilidade de conhecer a controvérsia e tentar uma resolução extrajudicial para evitar a jurisdição, está satisfeita a finalidade da norma jurídica, de forma que não cabe desestimular a ação judicial em curso.
Assim, em reiteradas ocasiões, o Tribunal se pronunciou sobre a compatibilidade do direito à tutela judicial efetiva do art. 24.1 da CE com a previsão de condicionantes prévios compulsórios para o acesso ao Poder Judiciário. Desta maneira, o que não é permitido são obstáculos legais sem necessidade, que sejam excessivos, carentes de razoabilidade e desproporcionais em relação aos fins perseguidos pelo legislador. De igual modo, se houver o estabelecimento de requisitos que limitem as ações para a defesa jurisdicional de direitos e interesses, há ofensa ao art. 24.1 da CE.
Em resumo, é vedado impedir, obstaculizar, dificultar ou limitar o acesso ao Poder Judiciário. Por esse motivo, sempre que se fixar um requisito pré-processual, a sua legitimidade constitucional deve ser examinada pelo TC, porque deve haver uma justificativa para a adoção dessa medida relacionada à finalidade de proteção de bens e interesses constitucionalmente protegidos.
O TC entende que, embora fórmulas pré-processuais estabeleçam uma maior dificuldade de aceder à jurisdição, pois não se pode pleitear diretamente ao juiz, não configura em ofensa ao direito a tutela judicial efetiva, desde que essa exigência seja razoável e que acarrete benefícios para o desenvolvimento do Poder Judiciário. E se tiver sido cumprido o requisito administrativo prévio, qualquer outra exigência para o acionamento da jurisdição pode representar dificuldade injustificada ao acesso processual, revelando-se incompatível com a Constituição.
Em outra decisão relacionada a essa temática, o TC – (Sala Primera) Sentencia num. 74/1983 de 30 julio RTC\1983\74 –, no caso concreto, decidiu pela necessidade de litisconsórcio ativo de todos os afetados para promover o conflito coletivo, sem que represente violação ao direito fundamental de obter uma tutela efetiva de juízes e tribunais. O fundamento usado é de que não há um obstáculo para o pronunciamento sobre o mérito quando não for cumprido um requisito processual. De forma que, para o TC, o que não é válido é criar uma restrição injustificada que impeça a tutela de direitos e interesses.
Desse jeito, o Tribunal ratificou a sentença que desestimulou a demanda, afirmando que não há impedimento à tutela judicial quando a intenção é preservar o princípio democrático, que se inspira na CE, ao vedar que uma minoria imponha seus critérios à maioria dos afetados quando eles não foram ouvidos no processo. Outrossim, afirmou que a constituição da relação processual deve acontecer com a observância da lei para preservar a segurança jurídica.
Deste modo, não há ofensa ao art. 24.1 da CE quando um vício processual previsto na norma jurídica desestimula a ação judicial, porque a tutela judicial deve ser compatível com os requisitos de legalidade, desde que não estabeleça um obstáculo que impeça injustamente um pronunciamento de mérito.
Conforme o TC, o direito à tutela judicial efetiva se satisfaz não somente com o pronunciamento de uma decisão sobre o fundo/mérito, mas também quando há uma inadmissão da ação fundamentada e justificada no direito. A bem da verdade, a estruturação do processo fica a cargo do legislador, porém, o art. 117.3 da CE permite que, na ausência de normas, os tribunais em sua competência possam estruturar as formalidades processuais que consideram adequadas na hipótese contemplada. Todavia, o que não se admite é a interpretação dos requisitos processuais de forma desproporcional e desarrazoada configurando uma barreira para poder aceder à jurisdição.
O TC, nesse caso concreto, explicou que a exigência de litisconsórcio ativo no conflito coletivo guarda uma justificativa constitucional que é garantir aos que pertencem à mesma empresa a igualdade de direitos, por isso é obrigatória a presença de todos os afetados no processo, já que não é permitido que quem não foi ouvido/representado seja atingido pela decisão.
Em resumo, o TC espanhol considera que os requisitos pré-processuais estabelecidos na lei para acessar o Poder Judiciário não ofendem o direito fundamental à tutela judicial efetiva, desde que haja uma interpretação razoável que não crie uma barreira para aceder à jurisdição.
Parte das propostas sugeridas nesta pesquisa consiste em criticar posicionamentos adotados pela Suprema Corte brasileira e obter caminhos constitucionais para tentar superá-los, pois nenhum Poder Republicano é absoluto e todos devem sempre atuar em harmonia uns com os outros em um autêntico diálogo institucional.
Em comparação ao que aconteceu com o sistema jurídico espanhol, no Brasil, o STF, por meio das suas decisões jurisprudenciais, tem criado empecilhos ao desenvolvimento da razoável duração do processo e, consequentemente, à efetivação do direito de acesso à Justiça do Trabalho, por considerar que a compulsoriedade de um mecanismo prévio ao processo judicial estabelecido na norma jurídica infraconstitucional ofende o direito de acessar o Poder Judiciário.
Aliás, nos dias atuais, essa garantia passa a ser vista como um acesso ao amplo sistema de justiça em razão dos avanços tecnológicos e da necessidade de ampliar a noção de justiça a que se tem acionamento. Pode-se dizer que nesse período de crise sanitária houve uma aceleração na incorporação da tecnologia ao sistema de justiça brasileiro e espanhol. Ocorreu uma intensificação desse fenômeno na medida em que sedimentou, face à necessidade social decorrente da Covid-19, a criação do costume para a feitura de atos telepresenciais, com a permissão de haver no Brasil, por exemplo, um juízo 100% digital e audiências por meio de videoconferências.
Assim, como consequência da pandemia, as audiências naquele período se tornaram totalmente telepresenciais. Antes, somente visualizava-se a prática de algum ato tecnológico no processo. Afirma-se que a tecnologia associada ao Poder Judiciário e aos demais sistemas de justiça no mundo todo permitiu que não tivesse paralisação deles durante a crise ocasionada pela Covid-19. Portanto, nos dias atuais, não há como dissociar o direito processual do trabalho do impacto que a tecnologia gera no procedimento. Essa é uma realidade que se insere para continuar.
Desse modo, o aspecto digital permite ressignificar conceitos tradicionais de justiça, porque reflete diretamente nas suas ferramentas. Como exemplo, há a ampliação do acesso para que todos possam participar da audiência virtual sem que haja barreiras geográficas.
Um dos maiores desafios desses novos tempos é garantir a todos os que não dominem os recursos tecnológicos uma forma de acessar o sistema de justiça, já que muitas pessoas são excluídas digitalmente. A inserção de instrumentos telemáticos na resolução de litígios faz parte da 4ª Revolução Industrial, que se insere como contributo para o acesso à justiça. A mudança social decorrente da era tecnológica também impacta no modo de produção de trabalho, gerando novos conflitos que, por sua vez, trazem a necessidade de olhar para outras formas de serem dirimidos. Maneiras que sejam mais ágeis, tal como o mundo está hoje.
Nesse propósito de alargar as portas para se adentrar à justiça, o direito comparado espanhol revela estar mais desenvolvido quanto à permissão e sedimentação da mediação-conciliação extrajudicial para dirimir dissídios individuais, tanto a nível administrativo, quanto a nível autônomo, do que o Brasil.
Como se sabe, o CPC de 2015 foi feito nesse viés de estabelecer um sistema multiportas para a resolução de controvérsias na seara comum no país e proporcionar a celeridade, seja por meio da conciliação, da mediação, da arbitragem ou da negociação. Esse sistema denominado multiportas permite o funcionamento harmônico da via judicial com a extrajudicial, além de favorecer a satisfação das partes, diminuir o número de demandas e de recursos e a quantidade de execuções devido ao adimplemento que normalmente ocorre de maneira espontânea (SOLANO, 2018).
Essa visão está sendo ampliada para abarcar a seara especializada trabalhista. Entretanto, não se desconhece que no Brasil parte da doutrina considera que condicionar o acionamento ao Poder Judiciário a um esgotamento prévio da via administrativa ofende o direito de acessar a jurisdição (SOLANO, 2018).
Todavia, neste livro, o que se defende é a passagem prévia compulsória para tentativa de mediação-conciliação em uma via fora do Poder Judiciário Laboral e não o seu esgotamento.
Acredita-se que o direito é um agente transformador da sociedade e que a criação, a partir da adoção de uma nova postura na política judiciária do país, de normas mais democráticas, que favoreçam a participação mais ativa dos envolvidos na controvérsia e proporcionem a mudança na educação jurídico-social, irá contribuir para a democratização do processo laboral. Defende-se a norma como uma força motriz para uma profunda transformação social na justiça brasileira. Por esse motivo, propôs-se a análise do direito comparado espanhol para incorporar no Estado brasileiro o que é adequado à realidade do país.
Atualmente, na seara laboral brasileira, em decorrência da reforma trabalhista, já existe autorização na norma jurídica para avenças extrajudiciais particulares em determinadas hipóteses, entretanto, essas devem passar pelo crivo do Poder Judiciário trabalhista para sua homologação (no caso de acordos particulares) ou mesmo para avaliação de fraudes. E, em razão da hipossuficiência, do estado de subordinação, do princípio da proteção e da irrenunciabilidade de direitos, entende-se que a via puramente particular não se revela a melhor maneira de resolver lides de trabalho.
Portanto, esses meios privados de resolução de litígio fomentados com a reforma de 2017 ainda possuem muita insegurança jurídica e instabilidade para gerir as relações derivadas da interação entre o capital versus o trabalho.
E, soma-se o fato de que, face à necessidade de homologação, tornam-se mais um procedimento judicial instaurado.
Por tal razão, propõe-se uma regulamentação que deve ser clara e considerar válida a mediação-conciliação prévia desde que preservadas certas garantias, sempre primando pela decisão humanizada da disputa. Aliado a essa realidade, ainda que a mediação-conciliação seja obrigatória em caráter prévio ao processo, o princípio da voluntariedade permanece quanto à feitura do acordo extrajudicial (ÁLVAREZ, 2014, pp. 18-19). Em outras palavras, as partes realizam a avença se assim desejarem.
Para essa nova sistemática processual, entende-se que a modificação do texto constitucional (PEC) deva caminhar juntamente com alterações propostas e sugeridas para a CLT. A reformulação da norma jurídica celetista, inclusive quanto às CCPs, vem com o intuito de fomentar o sistema, dar a ele mais segurança jurídica e permitir que atue em conformidade com a Constituição.
Além, é claro, de reativar o referido instituto para atuar de maneira prévia e obrigatória a nível sindical.
A crítica ao monopólio estatal abre caminho para o desenvolvimento de alternativas mais pluralistas para dirimir os problemas contemporâneos.
Hodiernamente, assiste-se no Brasil e na Espanha tentativas à desmonopolização da jurisdição laboral, estando este país à frente daquele. Tudo está sendo pensado com vistas a instituir, no Estado Democrático de Direito, meios de solução de disputas com maior participação das partes para promover valores constitucionais, como a dignidade humana, o valor social do trabalho, a autonomia coletiva, entre outras questões de direitos e garantias fundamentais.
A feitura da norma jurídica é peça fundamental para o funcionamento de forma segura dessa nova sistemática processual laboral sugerida, que proporciona agilidade às controvérsias, sem, contudo, desfazer de direitos mínimos necessários para a tutela da condição humana do trabalhador. De modo a preservar, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana e outros princípios específicos do direito do trabalho, como o princípio da proteção e da indisponibilidade.
Essa é uma proposta para romper com a exclusividade estatal e obter uma cultura de pacificação social capaz de reduzir a judicialização das disputas e favorecer a razoável duração do processo, porque já existe no país o incentivo a outras formas mais democráticas e menos burocráticas de resolução de conflitos, como no caso da mediação, da conciliação e de outros métodos de solução consensual (Resoluções do CNJ n. 125/10 e do CSJT n. 174/16 e n. 288/21), o que também é promovido de modo internacional pela OIT e pela Agenda 2030 da ONU.
Assim, no intuito de solucionar esse problema de sobrecarga processual na Justiça Laboral brasileira, que retarda a entrega da prestação jurisdicional e é intensificado pela excessiva litigiosidade das partes que apresentam diversos recursos e contribuem para maior morosidade processual, bem como para adaptar o Poder Judiciário às novas exigências sociais decorrentes das últimas revoluções digitais, aponta-se duas medidas capazes de contribuir com a ra-
zoável duração do processo por meio da reformulação da definição do acesso à justiça: uma tecnológica e outra fundamentada na ampliação dos instrumentos de justiça a partir de uma perspectiva do direito comparado espanhol.
Ora, o excesso de demandas judiciais revela-se prejudicial ao trabalhador que aguarda por muito tempo a satisfação do seu crédito trabalhista (natureza jurídica de verba alimentar) pelos anos dedicados e trabalhados.
É importante frisar que nos últimos anos o Estado brasileiro adotou uma postura considerada rígida, por refutar os meios extrajudiciais na seara laboral, sob a justificativa de que apenas o Estado, representado pelo Poder Judiciário, poderia garantir a igualdade das partes e a proteção ao trabalhador.
Entretanto, se abordará com mais profundidade a questão para aferir como é possível a iniciativa privada garantir a salvaguarda das normas jurídicas do trabalhador, já que, nesse caso, pode haver benefício para os obreiros, que teriam a satisfação do seu direito conferida em tempo oportuno.
Essa apreciação é de grande importância, haja vista que a maior parte dos embates na área trabalhista está relacionada às verbas econômicas. E o atraso na decisão para a controvérsia pode prejudicar o sustento do trabalhador e de sua família, o que compromete a sua sobrevivência.
Após verificar o funcionamento dos meios extrajudiciais de resolução de disputas no sistema jurídico espanhol, avalia-se o que pode ser feito, em termos de adaptações no Brasil, ou seja, se há meios similares no país e se é benéfico o desenvolvimento de uma ferramenta semelhante no Estado brasileiro à luz da realidade vivenciada. Ressalta-se que cada território possui a sua especificidade, cultura, população e normas jurídicas singulares, tais como a Constituição Federal, tratados internacionais de direitos humanos recepcionados e normas infraconstitucionais.
Para tanto, este livro desenvolve-se por capítulos, que são ao todo cinco, sendo: o Capítulo I sobre a realização e a crise da justiça trabalhista brasileira; o Capítulo II acerca do sistema de justiça laboral espanhol; o Capítulo III referente aos dados numéricos da justiça nos dois países; o Capítulo IV contempla os problemas detectados nos métodos informais espanhóis; e o Capítulo V trata-se de uma proposta para superar a crise da justiça brasileira por meio de um estudo comparativo entre o sistema jurídico laboral brasileiro e o espanhol, pois se depreende que na Espanha estão mais desenvolvidos do que no Brasil os meios extrajudiciais para a resolução de litígios na área laboral, inclusivamente, no direito individual do trabalho.