A legitimação da conciliação juslaboral pela teoria do agir comunicativo

Prefácio por Célio Horst Waldraff

O bom acordo é uma sentença escolhida pelas partes. A boa sentença é um acordo imposto pelo Juízo.

As formas de solução pacífica de conflitos crescem atualmente de importância no meio jurídico e jurisdicional e vêm gerando profundas reflexões no ambiente acadêmico. A autocomposição impõe uma modificação cultural a partir da dinâmica pacificadora. As técnicas necessárias para a inserção dessas novidades devem ser alvo de um exame profundo e científico e devem se pautar por uma principiologia própria, centrada nos Princípios da Razoabilidade, da Autonomia da Vontade e da Pacificação Social.

As vantagens da autocomposição bem-sucedida com a materialização do consenso consistem na minoração dos custos para os envolvidos e para o Estado, além de propiciar ganhos em matéria de pacificação.

Essa pacificação completa frequentemente não é alcançada pela tutela jurisdicional no sentido mais estrito. Atualmente, não obstante o tipo de processo e de partes integrantes,

cresce o incentivo em direção à solução consensual por diversos mecanismos, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem. O grande vetor nessa direção é duplo: os custos social e econômico do processo e o da sua demora para a solução. As virtudes dessas formas de solução, a par de, frequentemente, resolverem a questão dos custos e da demora, também facilitam o cumprimento da obrigação assumida inclusive por seu imperativo ético, além de oferecer uma sensação muito mais plena de justiça.

Assim, propõe-se o desafio de substituir esse modelo de Justiça que prioriza o conflito e a sua solução unilateral, situação que, inclusive, prejudica o próprio acesso à Justiça. As virtudes em termos de simplificação de procedimentos, além dos custos do processo já evidenciados acima, facilitam o caminho a ser percorrido pelas partes para solucionar seus problemas jurídicos.

Além disso, o resultado em termos de sensação de justiça parece muito mais pleno quando as próprias partes encontram a solução para o seu conflito. Ao contrário, a solução imposta por um terceiro, ainda que representando o Estado, declara uma das partes vencedora e outra vencida no processo, o que não tem grandes chances de conseguir a pacificação com justiça. Frequentemente, as causas mais profundas e decorrentes de um ambiente social desequilibrado com suas peculiaridades e especificidades sequer são enfrentadas pela solução jurisdicional.

Por outro lado, é certo que a caminhada em direção a uma mudança cultural e o oferecimento de modelos mais adequados para a solução conciliatória ainda está começando.

No campo trabalhista, exemplo disso é a ênfase restrita que o legislador deu à conciliação, referida no texto originário da CLT, em seu art. 764, de 1943. Esse dispositivo prevê que os processos judiciais estão sempre sujeitos à conciliação e que cabe ao juízo adotar bons ofícios e persuasão para a solução conciliatória dos conflitos.

Em seguida, veio a Resolução n. 125 de 2010, do CNJ, que estimula a capacitação e o treinamento de magistrados e servidores para os métodos de solução consensual dos litígios. Também prevê que a conciliação passa a ser critério de promoção dos juízes e de avaliação estatística de desempenho.

Já em outro extremo da cronologia sobre esse tema, vem o CPC de 2015 com um longo capítulo próprio a respeito da conciliação. A partir do art. 165, do CPC, são fixados parâmetros muito mais esmerados, como a criação dos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, de Câmaras de Mediação e Conciliação e estímulo a mecanismos extrajudiciais, inclusive por meio de termos de ajustamento de conduta.

Em seguida são indicados os Princípios Informativos da Conciliação, tais como os já referidos acima, enfatizando especialmente os Princípios da Confidencialidade e da Autonomia da Vontade. Além disso, propõe a aplicação de técnicas negociais a fim de propiciar a conciliação e abre a possibilidade de os tribunais valerem-se de conciliadores voluntários.

O ciclo se fecha com a Lei n. 13.140, também de 2015, que trata da conciliação no âmbito da Administração Pública. A obra que nos chega às mãos é a consagração não apenas de uma grande caminhada de reflexão acadêmica e transcendental que o autor atinge no ápice de sua profícua carreira de magistrado da Justiça do Trabalho. Vai muito mais além, para ser o retrato de corpo inteiro de toda uma existência produtiva dedicada à pacificação social por meio do Direito do Trabalho.

O autor Lauro Stankiewicz é natural de Mallet, no Paraná, cidade gêmea da minha cidade natal Porto União da Vitória. Gosto dessas referências geográficas, já que o homem é fruto de seu meio, o que equivale a dizer, em primeiro lugar, do seu meio geográfico. Essa cidade, pequena em população e extensão, é enorme no campo das emotividades, assim como tendem a ser as aldeias.

Vem a calhar que eu repita o nome originário de minha cidade, dividida no início do século XX pelo acordo que demarcou definitivamente as fronteiras de nossos estados do Paraná e Santa Catarina. A solução para a chamada Questão do Contestado, que abrangia também a Mallet do Lauro — que não é sinônimo da Guerra do Contestado, senão pela identidade geográfica —, implicou dividir quase pelo meio, tanto a terra que era litigada por Paraná e Santa Catarina, como também cortou pelo meio a principal cidade de então.

A solução da Questão do Contestado merece destaque em uma obra sobre a conciliação trabalhista. Essa solução foi fruto da engenharia cartográfica de seu principal intermediário, o então Presidente da República, o mineiro Wenceslau Braz. “Mineira e salomonicamente”, convenceu-se as partes a aceitarem uma solução claramente intermediária dividindo toda a área contestada quase que pela metade.

Curiosa e simbolicamente, a cidade teve as suas fronteiras demarcadas pela unificadora linha do trem e dividiu também o seu nome de Porto União da Vitória para as duas cidades irmãs, Porto União, que ficou com Santa Catarina, e União da Vitória, que passou para o lado paranaense.

Atribui-se a Tolstói a afirmação: “descreva a sua aldeia para descrever o mundo todo”.

É em um ambiente restrito pelas conexões sociais mais qualificadas em razão da escassez massificadora dos convívios que o indivíduo consegue evoluir. Aprende pela possibilidade permanente de comparação com o próximo (“sempre mais próximo”, nas aldeias — com o perdão do péssimo trocadilho, que considero necessário para essa descrição). Aprende, como disse, a se individuar pelo contato completo com outros indivíduos.

Assim, o nosso autor começou uma trajetória que o fez circular pelo Paraná, por Santa Catarina e por todo o nosso Brasil, como cultor do Direito do Trabalho. Foi estudante fora de sua cidade natal, advogado e, por fim, Juiz, fora de seu Paraná também natal.

É Magistrado do Trabalho, hoje titular da Vara do Trabalho de Canoinhas, cidade de médio porte, todavia integrante da mesma microrregião que acaba por abranger, ainda que por vizinhança, a sua Mallet natal e a minha Porto União da Vitória.

Para nativos e visitantes de todas essas áreas, tanto a geografia quanto as paisagens não são tão diferenciadas.

As escassas araucárias que pontuam as áreas rurais são fruto de uma floresta luxuriosa nascida possivelmente na pré-história e que serviu com o pinhão os nossos povos originários. Era entremeada por trechos de erva-mate, a Ilex Paraguaiensis, que marcou uma das fases de bonança econômica da região: a Era do Mate no início do século XX, que foi seguida pela Era da Madeira, de meados desse mesmo século.

É também a região do leito principal da bacia do Rio Iguaçu que, pela imensidão de suas águas, inspira os habitantes das margens de todos os seus rios integrantes dessa hidrografia a arroubos de grandiosidade e altivez.

O somatório das tonalidades do verde profícuo com o frio de uma das regiões mais geladas de nosso país e a umidade da Bacia do Iguaçu contaminam a identidade atávica dos seus moradores, fortalecendo-os pelo convívio com as inexorabilidades da natureza.

É esse o ponto de partida da Odisseia pessoal de nosso autor, cujo ponto de chegada provisório é o escrito que ora é prefaciado. Constitui-se na versão editorial de sua tese de doutorado pela Universidade Tuiuti do Paraná, na área multidisciplinar de concentração de Comunicações e Linguagem.

O temário está na interface de sua atuação jurídica, judicial e acadêmica e situa-se no ambiente da conciliação trabalhista, sob a perspectiva da Ação Comunicativa do gigante da atual fase da História da Filosofia, Jürgen Habermas.

Lauro, agora avô e já na completa maturidade de sua atividade profissional, inicia a fase mais importante da caminhada da vida, em que o indivíduo se volta às reflexões transcendentais, elevando a altitude da velocidade de cruzeiro da aeronáutica da vida.

É nesse momento da vida que a altitude das experiências permite e propõe uma perspectiva panorâmica de todo o caminho traçado e ainda por traçar.

Nesse sentido, não é por acaso que o autor se propõe a escrever sobre a conciliação à luz da Ação Comunicativa, que não deixa de ser a consagração de um processo de aplicação da jurisdição.

A propósito da solução conciliatória, o nosso autor cita um caso prático que vivenciou, em que se mostrou imprescindível a necessidade do diálogo pessoal e direto.

O autor da ação compareceu acompanhado de seu advogado, ao contrário do réu, que, por carência econômica, estava sozinho. A conversa entabulada entre as partes por intermediação do Juízo demonstrou que havia uma desavença pessoal e que o que o reclamante pretendia não era a condenação do reclamado, mas um simples pedido de desculpas.

Quando isso aconteceu e quando o reclamado formulou o pedido de perdão e o reclamante o aceitou, a razão do processo desapareceu.

Todavia, permanecia a questão dos honorários do advogado do reclamante, os quais não poderiam ser pagos integralmente pelo reclamado, dada a sua situação econômica muito difícil.

Para solucionar esse aspecto, os honorários devidos foram parcelados e o reclamante e o reclamado concordaram em se revezar, pagando, cada um, parte das parcelas devidas.

Nessa mesma linha, mas com uma manifestação de agressividade, Márcio Túlio Viana relata o caso em que, em uma ação trabalhista, diante da proposta de acordo, o empregador estava disposto a pagar uma dada quantia ao empregado proporcional a 70% do valor do pedido.

A reação inesperada e agressiva do empregado, todavia, foi de furiosa rejeição, afirmando exaltado que “não iria receber dinheiro algum, pois não estava ali para isso”.

Nesse contexto é óbvio que o processo era apenas o pretexto para ver o antigo explorador em uma posição de subserviência, humilhado, condenado e arrependido.

Fica clara a importância da subjetividade que pode ser de tal ordem que muitos estão dispostos a ingressar na terra dos sonhos da neurose, negando-se ao áspero mundo real.

Vale a lição de Bobbio de que a linguagem dos direitos tem uma função prática, já que reforça os movimentos de reivindicações para a satisfação de carências morais e materiais. Todavia, essa linguagem, quando não materializada, pode tornar-se enganadora ao diferenciar o direito pretendido do direito concretamente protegido.

O tratamento dado pela jurisdição, ao contrário, deve diferenciar-se pela atenção, empatia, imparcialidade, cortesia e integração e se basear no relacionamento interpessoal marcado pelo altruísmo e resiliência.

Para resumir todo o pensamento de Habermas em uma fórmula resumida, o autor conecta-a à noção de democracia deliberativa, vinculada a dois ideais típicos dessa obra: a emancipação e a esperança na racionalidade da linguagem comunicativa.

Um aspecto chave decorre da mudança tecnológica causada na forma de conversa e proximidade física dos participantes da audiência. Fala-se aqui da afetação radical pela mudança do campo visual no “layout” presencial para o audiovisual e digital causada pela presença de múltiplos monitores.

A razão comunicativa se manifesta no procedimento argumentativo, ou seja, em um discurso. Todavia, para que essa estrutura discursiva se manifeste, o requisito mais básico é o da intersubjetividade, ou seja, a interação entre as partes na mesma situação de fato.

A lógica interna dessa ação comunicativa presume que um dos sujeitos faz o seu discurso com a pretensão de validade para os seus argumentos que poderá ser questionada pelos demais sujeitos, segundo os critérios de verdade e de justiça.

Nesse contexto de Ação Comunicativa, a conciliação é validada se é confirmada por uma espécie de “aprovação coletiva”, satisfazendo necessidades econômicas e subjetivas. Dessa forma, atende-se não só à carência material reivindicada, no sentido quantitativo, mas, também, a expectativa de ser bem atendido em um espaço público de poder, no sentido qualitativo. Assim, a palavra manifestada encontrou ressonância e eco no espaço da cidadania, que se remodela dinamicamente de acordo com o estágio de evolução da sociedade.

Afirma-se, no clichê de Aristóteles, que o ser humano é um animal político, para ir além e afirmar a supremacia da sociedade sobre o indivíduo, uma vez que esse indivíduo isolado não consegue se realizar plenamente que não seja em sociedade.

Nessa linha, na verdade, o ser humano que não vive em sociedade ou é uma besta, por ser incompleto, ou é um deus, por ser plenipotente.

Além disso, nesse sentido, o maior de todos os benfeitores é o criador do Estado, como manifestação conciliatória, já que é nesse nível que o seu humano pode ser pleno e perfeito. Mas, o ser humano, quando perfeito, no espaço social e estatal, é o melhor dos animais e, ao contrário, quando isolado e separado do Estado e da sociedade, é a pior das bestas.

Ao contrário dessa forma correlata de enfocar a sociabilidade, temos a concepção de Hobbes que se manifesta em duas de suas mais conhecidas citações: “homo homini lupus” (o homem é o lobo do homem) e “bellum ominium” (guerra de todos contra todos).

Ou seja, no estado de natureza, a agressividade intersubjetiva é a regra que deve ser, de alguma forma, superada pelo convívio social.

De qualquer forma, nesse estado de natureza, a utilidade é a medida do direito, ou seja, o homem, antes da constituição da sociedade, é levado por suas paixões e conquistará de forma descomprometida as comodidades da vida, segundo o critério do prazer pessoal.

Ou seja, o altruísmo não seria natural. Ao contrário, natural é o egoísmo, inclinação usual do gênero humano caracterizado por “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder”.

Na sequência, para o nosso autor, os estudiosos do início do século XIX procuraram justificativas para o estabelecimento e continuidade da ordem social. Já os pensadores do final desse século XIX dedicaram-se a reconhecer o conflito como aspecto integrante e universal da sociedade.

Exemplo disso é Charles Darwin que elabora a sua Teoria da Seleção Natural das Espécies, explicando a sobrevivência do mais adaptado (e não do mais forte) em situações conflitivas. Nelas, o vencedor no conflito perpetuará sua bagagem genética pela reprodução após a vitória no processo seletivo.

Esses conflitos, mas também a cooperação, podem ser temporários ou contínuos, agudos ou integrativos, conscientes ou inconscientes. É também possível iniciar com uma relação conflituosa e terminar numa relação cooperativa, e vice-versa.

Segundo essa perspectiva, o conflito, como base da vida social, implicará no funcionamento de mecanismos de integração, transformação e manutenção.

O conflito potencial ou materializado concretamente em um litígio decorre de expectativas, valores e interesses contrariados, e compreender a lógica geral dos conflitos sociais é essencial para solucioná-los.

Segundo o Agir Comunicativo, para Axel Honneth, os conflitos sociais podem remontar à violação das normas implícitas do reconhecimento multilateral. Derivam de uma experiência de desconsideração social, de uma ofensa à identidade individual ou coletiva. Nesses casos é possível instaurar uma conduta de solução que possa reconstituir um relacionamento aperfeiçoado, de apreço recíproco. Esse procedimento percebe que nas colisões pelo reconhecimento há uma força moral que estimula os movimentos sociais.

Os conflitos surgem pelo desrespeito e pela reconstituição que podem ocorrer em três esferas: o amor que gera a autoconfiança, o direito que gera o autorrespeito e a solidariedade que gera a autoestima.

A tensão moral não tem a mesma intensidade em todas formas e o amor, especialmente considerado como a forma mais elementar de reconhecimento, não leva ao conflito social já que essas relações de afeto ficam contidas na relação mais próxima e não têm interesse público.

Muito embora não deixe de ser uma percepção preliminar e rudimentar, a luta social é uma situação prática em que as experiências individuais de desrespeito são recebidas como manifestações cruciais típicas de todo o grupo integrado e que podem influir como princípios de atuação de todo o grupo.

Essa interdependência também se manifesta nas relações entre duas ou mais pessoas, mas de forma que é preciso que haja a consciência de que o gesto de uma das partes e daquilo que produz em si mesmo, simultaneamente, gera um comportamento de resposta diretamente correspondente e proporcional.

Como exemplo disso, conceito básico para o marxismo é o de luta de classes que se sobrepõe para denunciar as desigualdades socioeconômicas contra a falsa ideia de igualdade política e jurídica proclamada pelo capital.

Para Marx, aqueles direitos de liberdade e igualdade formal, que são naturalizados pelo liberalismo, não sobrevivem diante das desigualdades causadas pelas relações de produção que fazem originar as classes sociais em conflito.

De um lado temos os proletários cuja única propriedade é a própria força de trabalho oferecida em troca de salário. De outro lado temos os “capitalistas” que detêm a propriedade privada dos meios de produção.

Os detentores do capital remuneram de forma insuficiente o trabalho e se apropriam de uma parcela sob a forma de mais-valia. A classe proletária e a classe burguesa em conflito convivem com desigualdades insuperáveis de conflito e exploração.

Essas contradições decorrem de interesses inconciliáveis entre o capital que deseja manter os meios de produção e a exploração do trabalho alheio com salários insuficientes, no limiar da sobrevivência. Os trabalhadores, por sua vez, estão em princípio dispostos a vender a sua força de trabalho para ganhar o sustento. Todavia, só existem os proletários e vice-versa porque alguém lucra com a remuneração injusta do trabalho.

Para Marx, a história da humanidade é a disputa dessas classes, muito embora esse conflito eventualmente não se manifeste de forma colidente ou até em guerra declarada.

Embora exaltada com intensidade, muitas vezes a cidadania apenas remete-se ao direito de votar e ser votado, ao contrário da dinâmica que envolve o desafio diário de sua concretização em todos os setores.

Exemplo disso é a chamada democracia grega que abrangia apenas os homens livres, excluindo os escravos, estrangeiros e mulheres. Na sequência, o que se chama de direitos sociais de segunda geração referem-se a uma fase posterior, na qual há conquistas sociais, econômicas e creditícias. São conquistadas a partir do início do século XX pelas lutas do movimento sindical e dos trabalhadores, convertendo-se em direitos ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego. Geram o acesso a meios de vida e bem-estar social para tornar reais direitos formais.

Nesse contexto, há uma certa tensão entre os chamados direitos de primeira geração, que compõem o conceito de cidadania (liberdade e igualdade).

Há agora a tensão interna entre os diversos direitos que compõem o conceito de cidadania (liberdade x igualdade), mais ligados a aspectos civis e políticos e exigem um Estado mínimo.

Já os direitos de segunda geração, ao contrário, necessitam da presença forte do Estado para a sua materialização.

Nessa escalada, surgem, na segunda metade do século XX, os direitos de terceira geração, em que são titulares não os indivíduos, mas grupos humanos, tais como o povo, a nação, coletividades de toda natureza ou a própria humanidade.

O senso de coletividade depende de elementos aglutinadores, ligados, para os antigos, ao pertencimento à cidade e para os modernos à não subordinação, sem negar que a cidadania plena decorre do equilíbrio entre o público e o privado.

A “cidadania para si”, demonstra-se no “civismo”, com três traços principais: (i) na inteligibilidade pelo cidadão do mundo político; (ii) na empatia, como capacidade de se colocar no lugar dos outros, para compreender seus interesses e justificações; e (iii) no reconhecimento das relações entre os indivíduos no espaço público.

Para Habermas, a dignidade da pessoa e sua correlação com a cidadania liga-se à simetria nas relações humanas, de forma que a sua intangibilidade resulta de relações interpessoais com recíproca consideração e respeito. Apenas no espaço público da comunidade da linguagem, o ser natural transforma-se em indivíduo dotado de racionalidade.

Assim, a dignidade deve ser compreendida sob o ponto de vista das relações em sociedade e comunicativas dado o aspecto da co-humanidade de cada indivíduo (Mitmenschlichkeit des Individuums).

Já para Peter Häberle, a consideração e o reconhecimento recíproco da dignidade, espaço comum que deve se definir como uma “ponte dogmática” para conectar os indivíduos.

Nesse contexto, a cidadania no sentido de engajamento e pertencimento torna obsoleta a noção clássica de jurisdição, especialmente na realidade brasileira, marcada pela profunda desigualdade social, que deve ser combatida pela atuação rearticulada. Assim, a jurisdição deve deixar de lado a sua chamada inércia para converter-se em poder de ação transformadora.

O conceito clássico de cidadania é problemático e baseado nas experiências anglo-saxãs de Estado-nação, ao passo que em outros países, tais como França e Alemanha, ela não evoluiu dessa forma.

Por essa forma de definir a cidadania, os direitos políticos concedidos, por exemplo, às mulheres e aos trabalhadores apresentam-se como frutos de uma evolução natural e não necessariamente da sua definição mais ampla e originária.

Nesse sentido, basta observar que os sindicatos somente encontram o seu espaço legitimado pela legalidade estatal depois de muitas lutas.

Como retrato disso serve o direito a voto amplo para todos os indivíduos que também foi alcançado depois de muitos embates.

Em síntese, segundo esse ponto de vista, haveria razões para crer que os direitos civis acabam levando a direitos políticos e, em seguida, a direitos sociais como frutos de uma evolução gradual e natural.

Por sua vez, a globalização afronta o conceito clássico de cidadania exercida no espaço do Estado-nação. Como formas de novas manifestações, temos, por exemplo, a cidadania europeia propiciada pela ascensão da União Europeia. Essa esfera reconhece direitos de viajar e trabalhar que subordinam os Estados-nação. Também se reconhece o direito dos cidadãos europeus de reivindicar, em face desses Estados-nação, direitos perante uma corte regional que se sobrepõe.

Com base nisso, pode-se pensar cosmopolitamente na ampliação do status da cidadania a instâncias mais amplas e até globais, embora ainda se esteja longe desse ideal.

Por outro lado, na modalidade comportamental, a cidadania define-se em termos jurídicos, na voluntariedade e participação. Permite a prática fortalecida e efetiva da defesa dos direitos subjetivos, com a participação real em atos públicos na condição de titular de uma identidade inalienável e exclusiva, tornada única no processo de socialização.

O conflito se manifesta na composição de três elementos: a relação intersubjetiva, o problema concreto e a trama ou processo. Na relação intersubjetiva, envolvem-se duas ou mais pessoas, cada qual com sua individualidade, valores, emoções, crenças e percepções da realidade, sendo necessário permitir uma forma aberta de manifestação dessa subjetividade para compreendê-la.

No problema concreto, o conflito apresenta-se em sua razão objetiva, material e até física, pelas suas condições estruturais, necessidades e interesses em conflito.

Na trama ou no processo surge o palco onde essas contradições se manifestam.

Esse conflito apresenta-se em três níveis ou fases: (i) a latência, (ii) a realidade ou a atualidade; e (iii) o modo de apresentação.

Em vista dessas perspectivas e da sutil diferença de como os motivos aparecem, pode-se extrair uma exteriorização da insatisfação e de seus motivos objetivos e subjetivos, que podem prevalecer alternadamente, situação que deve ser valorizada pelo intermediário e eventual árbitro.

Em tudo isso, o ato telepresencial contemporâneo minimiza a espacialidade pública, já que dispensa a chancela escrita, tomando a feição de um ato processual incompleto.

Independe se essas alterações decorrem de um imperativo tecnológico ou apenas da vontade humana de adotar novidades técnicas. A verdade é que a supressão do registro físico, a disposição de telas e o direcionamento a elas tomam toda a atenção.

Há uma modificação no comportamento semelhante àquele que havia na época da escravidão, no qual a essência da cidadania se dava pela assinatura e pelos atos escritos. Esses trabalhadores, sem saber utilizar os códigos escritos, eram capazes de ampla atividade produtiva, em profissões em que era indispensável o domínio de códigos numéricos.

Mas, assim, acabavam exercendo profissões e atividades refinadas, tais como chapeleiros, vendedores, impressores etc., que demandavam o conhecimento das letras.

Com isso, tinham conhecimento que, afinal, o ato que lhes oferecia a liberdade era um documento formal recheado de intensões, a Carta de Alforria. Ou seja, um amontoado de letras sobrepostas ao papel, pelo qual o letramento igualava-se à liberdade. A Carta de Alforria concedia a liberdade pela escrita. Portanto, a aspiração máxima decorria de um simples papel sobre o qual se adicionavam letras e o letramento se igualava à liberdade.

Há um paralelo parcial nesse aspecto e guardadas as devidas proporções, na questão do vínculo de emprego, que materializa o caráter emancipatório por intermédio do trabalho digno, concretizado pelo registro escrito da CTPS.

O contrário também se manifesta, quando o empregado não materializa sua contrariedade pela forma escrita da ação trabalhista, temeroso de perder o emprego, fonte de sua renda e canal dessa forma moderna de libertação.

A possibilidade de expressar seu eventual descontentamento no processo e na audiência, ainda que apenas depois do fim do contrato de trabalho, representa a liberdade. Aqui consegue o trabalhador, em igualdade de condições, ver respeitadas a sua conduta e a sua vontade.

Pode então manifestar-se, peticionar, contestar, formular requerimentos, aceitar ou recusar propostas. Em tudo isso, a materialização escrita dessas prerrogativas na ata da audiência escrita e assinada concretiza formal e materialmente essa emancipação.

A mesma sensação de libertação surge no empregador que se desembaraça do inconveniente da ação e de uma decisão imposta por um terceiro, estranho ao ambiente de trabalho. Na disposição consensual, assume um compromisso espontâneo e livre de pagar o que entendeu devido e constitui a manifestação da justiça das partes.

Respeitam-se então as duas partes e suas razões respectivas, nada havendo de recriminação ou desaprovação pelo ato condenatório de um Estado com seu ato de autoridade.

Todos esses aspectos perdem o seu fulgor quando a oralidade deixa de ser integralmente manifestada por escrito no registro documental, já que os atos da audiência ficam apenas eletronicamente consignados. A elaboração de uma ata restrita e sem assinatura enfraquece a legitimidade emocional e relacional da conduta procedimentalizada.

O texto escrito está vinculado a um texto dito, transferindo a oralidade em outra materialidade e presença: a escrita. Todavia, essa nova manifestação de subjetividade retirada de sua condição primitiva de espaço-tempo, quando transformada em grafia, sobrevive gerando novos significados que superam as contingências da vida, dos limites antigos desse espaço e desse tempo.

Assim, a escrita serve para registrar antigas imagens, do mesmo modo que outras formas de registro são produzidas a partir também da oralidade. A grafia não é a simples possibilidade de transformar uma mensagem em texto. Acaba por ter sua própria estória, com uma cronologia específica, vinculada à própria história dos personagens nela envolvidos. Cria, ela própria, a sua estória com significado próprio em relação ao significado da vida, tornando-se também fundamental.

A inovação tecnológica utilizada de forma rápida gera uma nova realidade, que causou em princípio muita expectativa, mas, em seguida, frustração, já que abandonou o contato direto do olho-no-olho, afetando a intercomunicação entre elas.

Toda essa expectativa e a fase de adaptação foram se superando porque, se de um lado afetava a compreensão, de outro lado, esmerava o acesso à justiça pela superação da distância, deixando apenas a incerteza com a qualidade do sinal de acesso.

Passando a ser desnecessária a movimentação das pessoas, facilitou o aproveitamento do tempo e a diminuição dos custos para as partes e para o aparelho jurisdicional, causando, todavia, audiências mais demoradas e cansativas no caso de falha do sinal telemático.

Os problemas com o sinal acabaram por gerar maior tolerância no magistrado, obrigado a ser menos impaciente com as possibilidades reduzidas dos pronunciamentos das partes, para não dificultar o acesso às garantias constitucionais do processo. As dificuldades e a paciência necessária atingiram as tentativas de entendimento entre os protagonistas.

O agir complacente do conciliador torna-se essencial para estimular a espontaneidade dos atores. As partes, atuando de qualquer lugar possível (de casa, do local de trabalho, dos caminhos da vida), rompem com o formalismo. Produziu-se maior abertura na compreensão das propostas e das dúvidas sobre o processo em razão do ambiente imediato mais familiar.

Assim, apresentam necessários maiores e mais esmerados esforços para a conciliação, cuja ética deriva de “conciliatione” e significa a harmonização dos interesses em conflito no litígio pela intermediação do conciliador.

Além disso, deve-se pensar nas dificuldades do juízo diante de uma proposta conciliatória que deve ser homologada, em que medida e com que extensão e amplitude.

Não se trata daquelas hipóteses em que o interesse público é claramente relegado, como nos casos fraudulentos de liberação do FGTS, quando a recusa na homologação é claramente imperativa.

Todavia, pode o juízo recusar a homologação de um acordo que expressa a livre manifestação da vontade, mas implica em renúncia excessiva de direitos por uma das partes?

Não poucos afirmariam que essa recusa, conforme a fase processual, especialmente durante o conhecimento, em que tudo está em questão e o abrir mão de direitos é mais amplo, não é possível. Todavia, no caso de já proferida uma sentença em fase de recurso, pode o magistrado recusar a homologação.

De qualquer forma, a dimensão da discricionariedade da jurisdição no caso da amplitude da homologação não está delimitada e definida na lei.

A literalidade dos textos legais incidentes indica que a conciliação deve ser insistentemente tentada, muito embora isso não possa ser pretexto para tentá-la a qualquer custo a ponto de desvirtuá-la.

Ou seja, o acordo forçado a qualquer custo ou decorrente do mero temor reverencial impede que as partes manifestem suas próprias histórias e concretizem suas próprias emoções pela falta de placidez necessária. Sentindo-se forçadas ao acordo decorrente de simples insistência coercitiva, não se consegue a justa e pacífica eliminação do conflito.

É necessário esclarecer o que significa a expressão “sistemas ou meios alternativos de solução de conflitos”, que configurariam mecanismos de democratização do acesso à justiça sob novo enfoque.

Trata-se da manifestação do que Mauro Cappelletti chamou de Terceira Onda do Acesso à Justiça, pelo uso alternativo de formas de solução dos litígios por mecanismos pacificadores.

Constituem-se em modelos totalmente inovatórios opostos às formas usuais de solução de conflitos por meios adjudicatórios e retributivos, que são lentos, custosos e geradores de novos conflitos.

Ao contrário, essas formas alternativas geram soluções pacificadoras reforçando e mantendo a coesão social, já que buscam lograr a pacificação e a equidade.

Os mecanismos meramente retributivos decorrentes da simples manifestação das pretensões em juízo mostram-se ineficientes, já que não conduzem à pacificação. Essa reparação financeira nada mais é que uma forma de silêncio a respeito da verdadeira insatisfação apresentada com formalismo e com a intermediação de um advogado.

Nesses casos, o conflito é resolvido apenas de forma parcial, mantendo os litigantes em conflito e a insatisfação social sobrevive.

Ainda que consideradas as dificuldades cotidianas da atividade judicial, pelo elevado número de processos, a paciência e a atenção manifestadas pelo Judiciário devem retratar a disposição estatal de procurar a verdadeira pacificação. Com isso, supera-se a percepção de que a jurisdição apenas tenta livrar-se de mais um processo com respostas apressadas e sem a necessária ponderação.

Por esse caminho, a solução dos conflitos vai se efetivar com a participação completa dos litigantes e se pronuncia sob a forma de empatia, significando a capacidade de colocar-se no lugar da outra parte e de sentir o que o outro sente.

A própria sentença revela-se secundária, já que é o alvo mediato da atuação da jurisdição no processo trabalhista, porque, para a sociedade, a pacificação é mais importante que a simples solução formal da lide.

Implica apenas em manter a insatisfação das partes, já que sacrificadas em nome de um Direito formalista e de pretensões daqueles que se sentem magoados e insatisfeitos.

Nesse ambiente da conciliação, tudo deve principiar da forma mais simples possível pelo gesto que concretiza o máximo da comunicação afetuosa sem palavras: o sorriso.

Dessa forma, a recepção inicial se manifesta com o semblante compatível, ou seja, pelo sorriso da autoridade judicial cuja função é demonstrar o adequado acolhimento.

Essa expressão facial, daquele que atua em nome da instituição pública, sinaliza a abertura do diálogo e o início de uma interação construtiva demonstrando envolvimento e atenção.

Como consequência disso tudo, ainda que a solução não seja conciliatória, a caminhada tenderá a ser cooperativa, nos melhores termos do Princípio da Cooperação extraído do art. 6º, do CPC, que preconiza que as partes devem colaborar entre si para que se alcance, no tempo razoável, uma solução justa e efetiva.

Ou seja, o Agir Comunicativo dos participantes do drama processual, mesmo no caso de frustração do intento conciliatório, contribuirá para o caminho harmônico durante toda a trama procedimental.

São reflexões dessa natureza que a obra de Lauro Stankiewicz propicia.

 

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