Subordinação por Algoritmo
Anos atrás, num relatório elaborado por um proeminente conjunto de acadêmicos, jornalistas e cientistas — a chamada Ad Hoc Committee on the Triple Revolution — relatório que depois foi entregue ao Presidente dos Estados Unidos da América, proclamava-se, com solenidade, a existência de uma verdadeira Revolução Cibernética e afirmava-se: “Começou uma nova era produtiva. Os seus princípios organizativos são tão diferentes dos da era industrial como os da era industrial foram diferentes dos da era agrícola. A revolução cibernética foi causada pela combinação do computador com a máquina automatizada autorregulável (robô). Isto resulta num sistema de capacidade produtiva quase ilimitada, o qual requer cada vez menos trabalho humano. A cibernética já está a reorganizar o sistema econômico e social de acordo com as suas próprias necessidades”. E se profetizava: a consequência inevitável desta revolução cibernética seria, a breve prazo, o desemprego tecnológico massivo.
Este relatório, como se disse, foi entregue ao presidente norte-americano. A qual? A Donald Trump? A Barack Obama? A George Bush, filho ou pai? A Bill Clinton? Não. Incrivelmente, aquele relatório foi elaborado nos anos sessenta, do século passado, e entregue ao Presidente Lyndon B. Johnson, em março de 1964!
Conclusão: as notícias sobre a morte iminente do trabalho foram muito exageradas e a centralidade social do trabalho humano e do trabalho assalariado permanece ainda hoje, em pleno século XXI. Mas a pergunta sempre surge, incontornável: desta vez será diferente? O capitalismo tecnológico, a quarta revolução industrial, a indústria 4.0, a digitalização, a robótica, o algoritmo, a inteligência artificial… que futuro para o trabalho humano e que futuro para o Direito do Trabalho? Haverá futuro?
De tudo isto trata, com sabedoria e prudência, a obra que ora se prefacia, da autoria do Professor Paulo Baria. Sempre consciente de que, segundo o velho ditado chinês que o Autor refere, “é extremamente difícil fazer profecias, especialmente com relação ao futuro”. Ou, na versão portuguesa desse provérbio, de raiz futebolística, “prognósticos só no fim do jogo”. Em qualquer caso, não há dúvida de que a quarta revolução industrial está a transformar profundamente o trabalho humano (pense-se no crowdwork, no trabalho via apps, no controle por meio de algoritmos, etc.). E o fantástico progresso da robótica pode mesmo tornar dispensável o trabalho humano, substituído, em grande parte, por robôs e pela inteligência artificial. Um futuro sem emprego. Eis a perspectiva que se desenha, que tanto pode surgir como uma ameaça ou como uma esperança. Afinal, o trabalho humano surgiu, desde sempre, como uma necessidade, como uma exigência natural, como atividade indispensável à produção da vida social, em ordem a satisfazer as necessidades básicas da humanidade e produzir tudo aquilo de que o homem precisa para viver e para melhorar as suas condições de existência. Ora, se o progresso científico e tecnológico conseguir substituir o trabalho humano por trabalho efetuado por robôs, isso pode constituir uma excelente notícia, um fenômeno libertador. Trabalhamos para viver, não vivemos para trabalhar.
Assim sendo, toda a tecnologia libertadora do sacrifício do trabalho (sobretudo, em atividades penosas, perigosas, rotineiras ou repetitivas) é bem-vinda! Caminhamos, porventura, para uma sociedade em que o trabalho humano perderá a sua atual centralidade. No futuro haverá, provavelmente, muito menos pessoas a trabalhar e, mesmo essas, dedicarão uma parte menor da sua vida, do seu tempo, ao trabalho. E esta será, decerto, uma transição complexa e cheia de dificuldades. Mas vamos combatê-la, destruindo os robôs ou desinvestindo neles (ao jeito de um qualquer “neoludismo”)? Não! O Estado-legislador terá de assumir um papel ativo e regular essa transição (reservar certas atividades a seres humanos, fixar “quotas humanas”, certificar os produtos “made by humans”, tributar a robotização, etc.). É, sem dúvida, de política que se trata, da forma como vamos estruturar a sociedade nos tempos vindouros, uma sociedade, quiçá, menos centrada no trabalho e no negócio e mais no lazer e no ócio.
Em qualquer caso, subscrevemos as palavras do Autor, o Prof. Paulo Baria, a este respeito. Como ele, lucidamente, nos adverte, “a questão inerente ao futuro da tecnologia e como isso afetará nossas vidas, em última análise, é uma decisão política. O ser humano está no centro do poder. Ainda não fomos substituídos pelas máquinas. A decisão de como será o futuro depende do que nós, enquanto sociedade, pensamos e fazemos desde já, dia a dia. A verdade é que o futuro não precisa ser uma guerra entre humanos e máquinas. Somos mais do que isso. Somos seres humanos”.
Tem toda a razão. Há que refletir sobre todas estas transformações no nosso modo de viver e de trabalhar, sobre o futuro do trabalho, sempre com a noção de que o futuro está nas mãos de todos nós, enquanto juristas e enquanto cidadãos. Este livro traça pistas preciosas nessa matéria. Recomendo vivamente ao leitor que lhe dedique a atenção e o tempo que ele merece!
João Leal Amado
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra — Portugal.
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