Teoria da Jurisdição Internacional
Prefácio
A magistratura é um sacerdócio ao qual poucos conseguem se dedicar com tanto afinco e boa vontade, porque exige demais do ser humano no seu mister de tentar minimamente distribuir justiça. Do outro lado, o pesquisador deve desdobrar-se no sentido de descobrir novos rumos do estudo e descortinar novos horizontes para o conhecimento. As pessoas que se dedicam a essas duas atividades são verdadeiramente abençoadas.
Conheço o jovem e brilhante juiz e jurista brasileiro RAIMUNDO ITAMAR LEMOS FERNANDES JÚNIOR desde quando veio para o Pará, aprovado em 1º lugar em concurso público para ingresso na magistratura trabalhista de carreira, no ano 1994. Acompanho desde então sua trajetória de sucessos sucessivos.
Encontrei-o como presidente da então única Vara do Trabalho de Marabá e constatei a correção de sua atividade no desempenho da judicatura. Removido para Belém, a pedido, veio presidir a 4ª Vara do Trabalho de Belém, que no passado eu também havia presidido. Sua caminhada alcançou o ápice com sua promoção, por merecimento, em 2021, para Desembargador do E. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, onde somos pares, com ele sempre se destacando pelos votos sensatos e as considerações juridicamente adequadas.
Fora a magistratura, dedica-se à pesquisa, tendo sido meu orientando no Mestrado na Universidade da Amazônia (UNAMA), quando obteve o grau de Mestre das Relações Sociais, com excelente defesa da dissertação O direito processual do trabalho à luz do princípio constitucional da razoável duração, posteriormente publicado, em 2008, pela sempre conceituada LTr Editora de São Paulo.
Agora, esta tese doutoral, intitulada TEORIA DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL, é trazida a público depois de sua brilhante defesa na secular Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal, sob a orientação do Prof. Dr. Rui Manuel Gens de Moura Ramos, que deu o título de Doutor em Direito Público ao Dr. ITAMAR FERNANDES, que é, a um só tempo, um ser abençoado: magistrado de escol e pesquisador incansável.
Em apertada síntese, este é RAIMUNDO ITAMAR LEMOS FERNANDES JÚNIOR. E esta obra? Esta Teoria da Jurisdição Internacional é, como referi linhas acima, sua tese doutoral, defendida em Coimbra, e apresenta ao longo de algumas centenas de páginas importantes reflexões sobre jurisdição, em todas as fases da história, de épocas remotas ao feudalismo, como demonstra no capítulo 1, tratando das sociedades primitivas, dos mesopotâmicos, egípcios, hebreus, gregos e romanos, para apontar a herança da Antiguidade quanto à jurisdição. Na Idade Média, a jurisdição é apreciada em vários matizes inclusive a feudalização e centralização, a organização judiciária, a dominação tradicional e o legado do feudalismo.
Em seguida, o capítulo 2 cuida da jurisdição e sua importância para a formação do Estado, para a sua Constituição e para a regulação da economia. Trata do desenvolvimento jurídico-político a partir da jurisdição e do surgimento do Estado. Começa pela formação do Estado Nacional, e discorre sobre o entrelaçamento dos estamentos e o envolver político, a importância do Direito Romano e escrito nessa formação, além da progressiva racionalização do poder, da importância do monopólio da coação física pelo centro de poder e da evolução do exercício da função legislativa na Baixa Idade Média até a modernidade. Indo além, comenta sobre o antigo regime francês e o Estado Nacional português e sua importância para o futuro Estado brasileiro. Tece exame sobre jurisdição e o Estado Nacional, inclusive o europeu, acerca do sentimento nacional e o momento do surgimento do Estado Nacional, tratando dos seus aspectos estamental e absolutista. Passa para a jurisdição e sua importância para a formação do Estado Constitucional. É nesse item que examina o caminho para o Estado Constitucional, cuidando de John Locke e o ideário do Estado Constitucional e Montesquieu e a assunção do Estado Constitucional, com o Estado da separação dos poderes. Segue tratando da independência da jurisdição, da importância da jurisdição para a formação e consolidação do Estado Constitucional. Em seguida, aborda o Estado Regulador com a sua formação histórica e importância atual, analisando a separação dos poderes e a regulação e o Estado Regulador e a jurisdição.
Prossegue no capítulo 3 tratando do papel da jurisdição na estruturação da Sociedade Internacional. Em dezessete itens, o autor discorre sobre jurisdição, relações internacionais, cooperação e Direito Internacional. Examina a jurisdição internacional na Antiguidade clássica grega e da romana e a República Christiana. Assinala a lenta aproximação entre os povos, através do incipiente sistema de relações comerciais e das relações internacionais. Comenta a Paz de Vestfália, as ideias internacionalistas, os tribunais do mar e a intensificação das relações entre as nações para solucionar litígios individuais. Avança do Tratado de Versalhes ao término da II Grande Guerra e o Tribunal Permanente de Justiça Internacional (referindo à antiga Corte Permanente de Justiça Internacional da Sociedade das Nações). Cuida do delicado tema do acesso à jurisdição por estrangeiros, jurisdição consular e atos judiciais concertados relacionados a interesses privados praticados por Estados distintos que favoreceram à evolução da sociedade internacional. Chega à Organização das Nações Unidas (ONU) e ao Tribunal Internacional de Justiça (que é a Corte Internacional de Justiça da Haia). Examina o princípio da cooperação judiciária e suas modalidades, inclusive horizontal, transjudicial e internacional. Encerra este capítulo tratando de cooperação e integração.
O capítulo 4 desta excelente obra cuida da jurisdição em domínios específicos da estruturação da sociedade internacional. Importantes temas são abordados como: a relevância da jurisdição internacional para o surgimento e proteção de direitos, a liberdade dos mercadores, a Lex Mercatoria e a jurisdição no âmbito do comércio internacional entre privados, a jurisdição no comércio internacional na resolução de conflitos entre Estados no Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), a liberdade nos mares e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, fruto de uma das mais importantes convenções internacionais do mundo moderno (a de Montego Bay de 1982), e a liberdade de trabalho e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo papel sempre é expressivo para a garantia da dignidade do trabalhador. Comenta sobre direitos individuais, destacando o papel da ONU e os Tribunais europeu e americano dos direitos humanos, o direito ambiental e a jurisdição internacional. Em seguida, examina o Estado Regulador Internacional e a jurisdição, apreciando esse aspecto na regulação internacional privada e sua importância para o livre comércio, para formação e proteção dos direitos individuais, sociais e do meio ambiente, e para a regulação no plano internacional.
O capítulo 5 percorre a jurisdição inter-regional, chamando-o de A importância da jurisdição para a formação das estruturas do poder. Nesse capítulo, vale ressaltar o cuidado com que se examina a integração regional na União Europeia, desde os tempos iniciais da CECA, CEE e EURATOM até chegar à supranacionalização obtida especialmente com o reconhecimento da Corte de Justiça da União, observando, nesse aspecto, também o acesso dos particulares à justiça para a aplicação do Direito comunitário.
No que se refere à América, a obra percorre o Mercosul, a Comunidade Andina de Justiça, o Sistema de Integração Centro-Americana — SICA, a Comunidade do Caribe e o Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá, com os mecanismos e instrumentos de solução de controvérsias existentes.
A obra se encerra no capítulo 6, intitulado A jurisdição e a unidade jurídico-política internacional, quando seu autor cuida de temas de alta relevância para a matéria estudada ao longo de sua tese, a saber: a formação da jurisdição no plano internacional e suas perspectivas, a jurisdição internacional e a formação do sistema jurídico-político global, os espaços, setores e matérias em que estão a se formar na jurisdição internacional, incluindo nesse tópico o comércio privado transnacional, a cooperação judiciária, a formação supranacional da jurisdição, a atuação da ONU e a regulação privada e pública de determinadas atividades.
rossegue o autor examinando a tentativa de unidade através da ordem jurídica, a unidade do ordenamento jurídico em uma visão plural, a visão funcionalista, e também na perspectiva de Luhmann do Direito Internacional e na de Teubner do Direito Global. Após, percorre aspectos de soft law e hard law, a unidade em rede e do poder em rede pela jurisdição.
Precisa mais? Acredito que esta obra está completa e os brasileiros estão de parabéns por ter um compatriota como seu autor, oferecendo variadas perspectivas de exame da matéria, o que torna este livro um singular exemplo de pesquisa para a bibliografia luso-brasileira.
Congratulo-me com o Dr. ITAMAR FERNANDES JÚNIOR, que também se dedica ao magistério superior, onde transmite o brilho de sua inteligência e talento a seus muitos discípulos, e comigo mesmo pela honra de prefaciar novamente mais uma obra formidável de sua lavra.
Parabéns à LTr Editora por dar ao público esta obra que vem ocupar lugar de destaque nas estantes dos estudiosos de nossa terra e para além-mar.
Belém, 11 de junho de 2022.
Georgenor de Sousa Franco Filho
Desembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8ª Região, Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa e Professor Titular de Direito Internacional e do Trabalho da Universidade da Amazônia, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas e da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social.
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