A prova no processo do trabalho
Preâmbulo
O sistema da livre convicção do julgador — de origem romana e amplamente utilizado pelos germânicos — eclodiu como uma espécie de reação ao da prova legal, em que o valor de cada meio probante era previamente tarifado pela lei, tolhendo, assim, qualquer liberdade do julgador nesse campo.
A livre convicção consistia em permitir-se ao juiz prolatar a sentença segundo a sua consciência e a sua íntima convicção (“suivant votre conscience et votre intime conviction”, conforme se proclamou em França), sem vincular a formação do seu convencimento à prova produzida nos autos. Hoje, felizmente, já não vigora nenhum desses critérios.
Cientes da inconveniência do sistema da livre convicção, porque extremamente liberal, trataram os legisladores (embora não dentro de uma cronologia uniforme) de instituir um outro, em que se pudesse condicionar o convencimento jurídico do julgador à prova dos autos — ou seja, à verdade denominada formal.
Resultado desse propósito, sem dúvida, é o sistema da persuasão racional, oriundo dos códigos napoleônicos e hoje adotado por grande parte das legislações do Ocidente, como é o caso do Brasil.
Com efeito, dispõe o art. 131 de nosso CPC que “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” (grifamos); daí por que a doutrina também vem denominando, com acerto, de livre convencimento motivado ao sistema da persuasão racional.
Modernamente, portanto, no plano do processo civil brasileiro — e por extensão no do trabalho — se exige que o juiz indique, na sentença, os motivos que influíram na formação do seu convencimento jurídico a respeito da matéria trazida à sua cognição jurisdicional, cuja exigência decorre de razões ético-políticas.
Sendo assim, a sua liberdade racional está rigidamente delimitada pelo conjunto probatório existente nos autos e do qual não está autorizado, por princípio, a afastar-se.
Tais fatos bastam para demonstrar a extraordinária importância que a prova representa para a ciência processual, como elemento vinculante que é da persuasão do julgador.
O processo do trabalho, todavia, se ressente, à evidência, de melhor sistematização do instituto jurídico da prova; os seus poucos artigos que versam sobre a matéria são insuficientes, no conjunto, para abranger a heterogeneidade de casos que a realidade prática oferece; via de consequência, essa precariedade — ou mesmo omissão, em certas hipóteses — da CLT acaba compelindo o intérprete trabalhista a incursionar pelos domínios do processo civil para buscar, lá, normas aptas à solução dos problemas diante dos quais o processo do trabalho se revelou incapaz.
Essa adoção supletiva de normas processuais civis — consentida, em termos, pelo art. 769 da CLT —, porém, quando efetuada de maneira irrefletida, pode implicar perigosa transubstanciação do processo do trabalho, com inevitáveis reflexos prejudiciais à sua própria identidade enciclopédica.
Reside neste particular, aliás, um dos motivos que nos animaram a compor esta obra, posta à frente a preocupação de advertir quanto ao risco de uma tal adoção impensada de dispositivos do processo comum, notadamente em matéria de prova.
O outro foi o de procurar contribuir, ainda que com um cêntimo, para o acertamento doutrinário do processo do trabalho, com vistas a uma desejada repercussão de lege ferenda, a fim de evitar que ele siga se afastando daquela que entendemos ser a sua razão teleológica fundamental e indeclinável: servir ao direito material correspondente, do qual, em verdade, é mero instrumento de atuação concreta.
Por aí se vê, inclusive, que o processo do trabalho (e os seus estudiosos) não se devem deixar impressionar com o princípio doutrinário civilista assente, quanto a ser a ação um direito autônomo, vale dizer, cujo exercício independe da existência de um direito subjetivo material.
A irrestrita aceitação dessa teoria a propósito da natureza jurídica da ação poderia levar, em seu paroxismo, à equivocada suposição de que o processo do trabalho deva ser algo absolutamente alienado do direito substancial a que corresponde.
O que seria, sobremaneira, desastroso. Eis, em resumo, o modesto desígnio que se instila nas páginas deste livro e cujo julgamento acerca do seu acerto e do seu êxito haverá de ser produto do tempo.