O princípio da Intervenção Mínima do Poder Judiciário nas Normas Coletivas

Introdução

O objetivo geral do presente trabalho é elaborar uma análise crítica da inovação trazida pelo art. 8º, § 3º, da  Consolidação das Leis do Trabalho, para investigar o papel do Poder Judiciário ao decidir casos em que sejam questionadas cláusulas de normas coletivas firmadas após a reforma trabalhista de 2017, de forma a garantir a efetividade de direitos fundamentais sem, por outro lado, simplesmente negar vigência ao artigo mencionado e ao princípio da intervenção mínima na autonomia privada coletiva mencionada no artigo em questão.

Neste estudo, é feita referência às convenções coletivas de trabalho e aos acordos coletivos de trabalho, quando tratados em conjunto, como normas coletivas. Menciona-se, ainda, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, conforme referido pelo legislador no art. 8º, § 3º, da  Consolidação das Leis do Trabalho, sem, contudo, analisar a pertinência ou não dessa classificação como princípio, por não ser este o objeto deste estudo.

Segundo a previsão legal, ao analisar acordo ou convenção coletiva, cabe à Justiça do Trabalho avaliar exclusivamente a conformidade com os elementos essenciais do negócio jurídico, com base no art. 104 do Código Civil de 2002, orientado pelo princípio da intervenção mínima na autonomia privada coletiva.

A previsão legal inovou ao impor limite na atuação do magistrado para analisar normas coletivas de forma que, ao menos de maneira aparente, propõe a revisão judicial somente dos aspectos formais da norma coletiva, sem avaliar ou realizar qualquer juízo de valor sobre o conteúdo das cláusulas acordadas.

  Em uma primeira análise, a decisão judicial sobre casos envolvendo cláusulas de normas coletivas firmadas após a reforma trabalhista de 2017, se realizada na forma permitida pelo art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, seria suficiente para impedir qualquer desrespeito aos arts. 611-A e 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho, na medida em que eventual violação poderia se caracterizar como objeto ilícito nos termos do art. 104 do Código Civil de 2002.

Porém, é certo que o tema negociações coletivas é complexo e não se resolve pelo mero enquadramento, ou não, de determinada cláusula nos arts. 611-A e 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho. A complexidade é ainda maior quando norma infraconstitucional prevê limites na atuação judicial ao decidir casos envolvendo normas coletivas. Não se discute a importância de se atender os elementos essenciais indicados na norma coletiva, conforme art. 104 do Código Civil de 2002 (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei). Mas, discute-se se estaria o juiz do trabalho limitado a garantir o cumprimento desses elementos apenas sob a ótica formal, vedada a ampliação de sua análise para o conteúdo das normas coletivas mesmo quando verificado potencial descumprimento a direitos fundamentais.

Além disso, a novidade legislativa desperta discussões sobre a sua constitucionalidade no que tange à ótica dos direitos fundamentais eventualmente negociados em normas coletivas. É objeto do presente estudo analisar a compatibilidade da previsão do art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho com os direitos fundamentais e os princípios constitucionais, como o acesso à justiça, o não retrocesso social e a dignidade humana. Como se sabe, o tema de direitos fundamentais é extenso e complexo, de forma que este estudo não pretende esgotá-lo, mas apresentar uma abordagem necessária para entendimento do tema que permita a elaboração de uma análise crítica do art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, objeto central deste trabalho.

Quanto aos elementos essenciais do negócio jurídico previstos no art. 104 do Código Civil de 2002, o presente estudo aborda o objeto lícito e a forma prescrita ou não defesa em lei. A presente análise não inclui, por outro lado, o elemento de agente capaz. Isto porque o estudo do elemento agente capaz no contexto das negociações coletivas necessitaria de investigação profunda e detalhada do papel dos sindicatos, envolvendo questões como representação e representatividade sindical, além de discussões sobre eventual reforma sindical, o que não se pretende neste momento. 

O estudo se baseia, fundamentalmente, na análise de doutrina e jurisprudência sobre o art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, as razões e os fundamentos da alteração legislativa no contexto da reforma trabalhista, além dos fundamentos da Constituição Federal de1988 sobre o papel das normas coletivas e seus limites.

Ao final, pretende-se responder a questão sobre qual a interpretação a ser dada ao art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, de maneira compatível com os direitos fundamentais, sem, contudo, negar vigência a ele e a outros artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, como o art. 611-A, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.


 

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