80 anos da CLT: Reflexões e Críticas
Fui convidada pela incansável e batalhadora Benizete Ramos de Medeiros, Diretora da Escola da ABRAT, e uma das coordenadoras deste livro, junto com outra grande mulher Abratiana, Valena Jacob, para prefaciar a obra (a ABRAT é um celeiro de mulheres maravilhosas).
Confesso que de cara, fiquei assustada com a tarefa.
Prefaciar uma obra editada pela ABRAT, e escrita por pessoas do mais alto nível intelectual e humanístico, nossos mestres e mestras, doutores e doutoras, é uma coisa que assusta, e assusta especialmente, para quem, como eu, sou única e exclusivamente advogada, há 53 anos.
Não sou mestre nem doutora, sou e adoro ser ADVOGADA.
Sou de uma geração, que não se preocupava ou não teve a opção, de se aprimorar cientificamente, ficamos no dia a dia da advocacia, e no dia a dia do associativismo, o que nos tomava mais ou menos 30 horas por dia, e ainda administrávamos nossas famílias.
Mas passado o susto, resolvi enfrentar a tarefa, afinal, quem nunca teve medo de advogar...
Começo agradecendo a esta plêiade de escritores e escritoras, que fazem esta obra, muito obrigada por terem doado seu tempo, e especialmente, por terem sido muito generosos e generosas em compartilhar seus conhecimentos. Só pessoas muito boas, sabem ser generosas, e vocês, são pessoas muito boas.
Obrigada à Benizete e Valena pela dedicação e empenho.
Obrigada à LTr, pela parceria tão antiga com a ABRAT, saudades do “seu Armando” sempre muito elegante nos memoráveis Congressos da LTr, e do “Armandinho”, que estava sempre em todos os CONATs, tomando conta da banca.
Quando se fala nos 80 anos da CLT, é comum ouvir expressões como “a velha senhora”, “a dama antiga”, uns mais desrespeitosos, a chamam de “velha e ultrapassada”, e outros ainda a destratam, chamando-a de “filhote da carta de lavoro”, e outros ainda, agradecem a Getúlio Vargas, porque nos “deu a CLT”.
Vale lembrar que da antiga e original CLT (que não nos foi presenteada por Getúlio, pois muito antes já tínhamos diversas leis regulando as relações de trabalho, fruto de estudos, discussões e da luta dos sindicalistas), resta muito pouco.
Segundo nosso mestre Jorge Souto Maior, em texto publicado em seu BLOG em 27/03/2017, sob o título “A CLT é velha”:
“ Dos 921 artigos que constavam da CLT, em 1943, somente 625 diziam respeito aos direitos trabalhistas propriamente ditos, pois os demais regulavam o processo do trabalho. Desses 625, apenas 255 não foram revogados ou alterados total ou parcialmente de maneira expressa por leis posteriores, editadas nos mais diversos governos; e 65 não foram recepcionados pela Constituição de 1988, como reconhece doutrina e jurisprudência, expressamente. Os 188 artigos restantes estão integrados a institutos que passaram, considerando o conjunto normativo, por diversas modificações”.
Esta senhora que está completando 80 anos, já passou por tantas intervenções, tantos preenchimentos faciais, que está completamente descaracterizada, sendo que a intervenção de 2017, denominada “ Reforma Trabalhista”, quase que liquida com a idosa, e de lambuja com o próprio processo do trabalho, e quiçás quiçá, com a própria Justiça do trabalho!
Hoje, precisamos reconhecer, que o Direito do Trabalho não está atrelado á à CLT, exclusivamente, que continua, por óbvio sendo uma consolidação muito importante.
A Constituição da República, mercê do esforço e da construção feita pelos advogados e advogadas trabalhistas, hoje é o norte para o Direito do Trabalho, bem como os tratados e convenções internacionais.
Felizmente hoje não se discute mais, e a jurisprudência está aí para comprovar, a aplicabilidade das normas internacionais nos direitos humanos do trabalho.
Parece que de forma totalmente isolada, quem não está aplicando as normas dos direitos humanos do trabalho, no nosso país, é o STF, que busca fundamento nos direitos humanos, até para absolver traficantes, e os ignora quando trata dos direitos da classe obreira.
Sem sombra de dúvidas, estamos avançando neste campo, e talvez, este avanço da Justiça Trabalhista, seja a principal causa daqueles que propugnam pela sua extinção.
No ano em que a CLT completa 80 anos, embora muito descaracterizada pelas diversas intervenções que sofreu, muitas mal-sucedidas, ainda temos motivos para saudá-la, pois continua sendo um símbolo importante para o nosso tão combatido Direito do Trabalho.
A ABRAT lançando este livro, durante seu 44º CONAT, em Porto Seguro, onde tudo começou, quer marcar a data, e também marcar sua posição intransigente em defesa do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho, e do Estado democrático de direito, que não se pode alcançar, se ignorados e ou desrespeitados os direitos humanos fundamentais do trabalho.
Encerro, contando que, enquanto pensava o que escrever neste prefácio, fiquei dando uma espiada na minha estante, e me deparei com um livrinho, que muito ilustra a “construção do direito pelos advogados e advogadas trabalhistas”. É o livro do III Encontro Estadual de Advogados Trabalhistas do Rio Grande do Sul - AGETRA- Porto Alegre, de 1977.
Meus olhos terem caído sobre este livrinho (porque fininho), não pode ser obra do acaso...
Lá naquele Congresso, foi fundada de fato a ABRAT, estando a AGETRA sob a presidência da colega Olga Araújo, recebemos uma delegação de advogados do Rio de Janeiro, onde estavam Moema Baptista, Celso Soares, Benedito Calheiros Bomfim (nosso conferencista), Carlos Arthur Paulon , Francisco Costa Neto, Nicanor Fischer, e mais de uma dezena de colegas.
E neste livro da AGETRA, de 1977, eu li o seguinte:
“A complexidade das relações de produção capitalistas cria formas próprias de relacionamento de trabalho, podendo-se situar como decorrente disso, a locação de trabalho humano.
O homem, cada vez mais, perde a sua integridade como ser humano e passa a fazer parte de uma engrenagem econômica onde o elemento primordial é o capital, e como consequência deste, o lucro.
Este como objetivo do sistema vigente, exige, nos países industrializados e periféricos, o uso de mão de obra barata. Uma das formas que se encontrou para reduzir o custo de produção foi o aluguel de mão de obra.” (Locação de mão de obra - por Gisa Nara Coccaro e Lidia Woida, 1977.)
Previsão? Premonição? Adivinhação? Sensibilidade?
Bernadete Kurtz
Presidenta da ABRAT- biênio 2022/2024