Temas de Direito Processual do Trabalho

Prefácio

Ao longo do desenvolvimento da ciência jurídica, diversas teorias foram construídas na tentativa de explicar — e justificar — a relação existente entre o chamado direito material, expressão aqui utilizada para identificar o conjunto de normas jurídicas que diz respeito aos bens materiais e imateriais tutelados pelo sistema jurídico, e o processo, um dos instrumentos por meio do qual são eles protegidos.

É inegável dizer da autonomia da relação jurídica processual, em face do vínculo que forma com várias pessoas, algumas delas que sequer figuram na relação jurídica que deu origem ao conflito cuja solução se pretende obter por meio do processo, mas é igualmente inegável afirmar o vínculo existente entre ambas, sem descurar da prevalência dos direitos humanos também em ambiente processual no cenário da democracia, pois: “É com a régua da democracia que se medem os direitos humanos”.

Nessa feliz síntese, o Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, revela, por um lado, a interseção que deve existir entre democracia e direitos humanos e, por outro, entre direitos humanos e o processo, pois de nada valerá serem assegurados no sistema jurídico se não houverem instrumentos hábeis a torná-los efetivos e em breve tempo.

Portanto, na sociedade brasileira contemporânea, quanto mais efetivo for o processo — efetividade no sentido da “realização do direito, a atuação prática da norma... a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”  —, mais rapidamente serão alcançados os objetivos traçados pelo Estado de Direito Democrático, no que toca ao restabelecimento — se possível — do direito protegido ou à recomposição da lesão sofrida e a prevalência dos direitos humanos como objetivo maior a ser perseguido.

Esse é o fio condutor da coletânea de artigos reunidos nessa obra, escritos pelo dileto amigo Luiz Ronan Neves Koury, Desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3 a Região, Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, Professor de Direito Processual do Trabalho, Coordenador Acadêmico do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da Faculdade de Direito Milton Campos e Coordenador do Grupo de Pesquisa Interfaces do Processo Civil com o Processo do Trabalho — IPCPT da mesma Faculdade de Direito Milton Campos.

As credenciais do Autor, por si sós, já prenunciam a qualidade do texto, às quais se agregam a profunda e cuidadosa abordagem, o apuro da linguagem e o esmero em fornecer ao leitor uma obra organizada com esmero e fruto das observações que acumulou como professor em franca atividade e magistrado, agora despido da toga. Composta por oito artigos, seis deles abordam temas de Direito Processual e, em todos eles, é possível notar a preocupação com a busca da efetividade a que me referi.

Começo pelo segundo artigo, que invoca o fundamento da democracia para orientar e inspirar a atuação do magistrado no exercício do poder que lhe é outorgado na direção do processo, não mais o juiz “asséptico”, mas o juiz cidadão, cuja atuação deve ser marcada pela proatividade e, ao mesmo tempo, por incentivar e valorizar a participação das partes no modelo cooperativo do processo brasileiro, introduzido pelo CPC de 2015.

O combate ao uso temerário do processo — um dos grandes males contra a efetividade — e a valorização da boa-fé como dever que deve orientar a atuação de tantos quantos dele façam parte estão presentes no terceiro artigo, que igualmente se preocupa com a responsabilidade pelo dano processual, a unir a vida e o processo. Interessante ressaltar, nesse segundo texto, a satisfação dos valores republicanos e a ética que ultrapassam os limites do processo e devem estar presentes como conduta da própria vida, sobretudo na esfera laboral que lida, em regra, com a garantia da subsistência do trabalhador, não raras vezes comprometida com a sonegação de direitos elementares.

A tecnologia e o direito no contexto das provas digitais constituem o universo temático do quarto artigo, tema dos mais importantes na atualidade, diante dos profundos impactos provocados no processo brasileiro, em especial a partir de 2011, com o início da implantação na Justiça do Trabalho, em âmbito nacional, do Processo Judicial Eletrônico — PJe.

“Nada será como antes, amanhã”. No verso do também mineiro Milton Nascimento, na canção homônima, tem-se a expressão da dimensão provocada pelo uso intensivo da tecnologia no processo judicial, a impactar de forma direta e substancial o universo probatório.

O Autor chama a atenção para o protagonismo e ascendência do homem sobre o desenvolvimento tecnológico, verdadeiro alerta em forma de desabafo, a fim de que os avanços devam ser utilizados para a melhoria da condição do ser humano, e não tornar este escravo daqueles, para o que é essencial construir os pilares da epistemologia das provas digitais, entre os quais se incluem a segurança, a transparência e a ética, com respeito à privacidade dos envolvidos no processo.

Em situações específicas e com os olhos voltados à observância do princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5o, LXXVIII) e de sua efetividade, o legislador processual de 2015 previu situações que autorizam o julgador a antecipar o julgamento, inclusive do mérito da controvérsia. São elas analisadas no quinto artigo, além de sua compatibilidade com o processo do trabalho.

Ponto de destaque é a qualificação feita pelo Autor do caráter “visionário” da regra contida no art. 765 da CLT que, desde 1943, previu como dever do juiz velar pelo rápido andamento das causas, portanto, décadas antes da rápida duração dos processos ser inserida na Constituição como direito fundamental.

Inovações na execução são igualmente objeto de análise, desta feita no sexto artigo, que se dedica ao controvertido tema da penhora de salário, dos mais importantes para a efetividade da execução. Destaque interessante é o juízo de ponderação que propõe sob o enfoque do controle de convencionalidade, mais precisamente à luz da Convenção n. 95 da Organização Internacional do Trabalho — OIT — norma de caráter supralegal —, como diretriz a ser observada quando da constrição, a fim de que seja assegurado ao devedor valor suficiente para a sua manutenção e de sua família, o que deve ser avaliado em cada caso concreto e mediante a devida comprovação no processo.

Três artigos — propositadamente por mim referenciados ao final — não abordam temas diretamente relacionados à dogmática processual, mas se integram aos demais como amálgama presente em todos eles. O primeiro deve ser visto como uma espécie de “cartão de visitas” da obra, a indicar a forma como os demais artigos devem ser lidos, sob a inafastável inspiração dos direitos humanos. A evolução histórica da dignidade da pessoa humana, ponto de partida e de chegada de todo sistema jurídico brasileiro, em juízo de comparação com a realidade constitucional portuguesa, conduz o leitor a compreendê-la como o mais importante valor por ele abraçado, cuja projeção também deve alcançar a realidade do Direito do Trabalho, em temas como renúncia ou violação de direitos fundamentais, e do Direito Processual do Trabalho, nos casos em que as temáticas citadas são discutidas.

O penúltimo analisa o princípio anticorrupção no sistema jurídico brasileiro e fornece bases históricas e conceituais sobre a corrupção, mal que assola a humanidade desde priscas eras, muito embora tenha assumido a compreensão atual a partir dos Estados Modernos, e formas pelas quais se manifesta.

O ponto central, porém, se refere à identificação, no ordenamento jurídico constitucional, da estrutura do Princípio Anticorrupção, a partir dos valores enumerados no art. 1o da Constituição, e a forma com se espraia nos princípios regentes da Administração Pública, na ampliação das atribuições funcionais do Ministério Público em fiscalizar e combater a corrupção, na legislação infraconstitucional e, em especial, na formação na sociedade da cultura de intolerância diante de situações que a caracterizam.

O último revela a sensibilidade do Autor com a imprescindível interseção entre Direito e Literatura, preocupação das mais relevantes em tempos de “modernidade líquida”, sobretudo ao lembrar — como ele faz com propriedade — a importância da linguagem como forma de expressão e compreensão do mundo e os pontos de convergência com as relações humanas e os valores morais, de modo a exigir, em ambos os campos do saber, conhecimento apurado da natureza humana. Como se pode notar, há muito que aprender nas páginas seguintes.

Convido, pois, o leitor a seguir em frente e desfrutar de Boa leitura!

 

Brasília, abril de 2023.

Cláudio Brandão

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Direito — Especialidade em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa “Luís de Camões”. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (Cadeira n. 39). Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira n. 19). Membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro Correspondente da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Investigador Integrado do Ratio Legis — Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da Universidade Autônoma de Lisboa [Projeto: Cultura de Paz e Democracia].

 

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