Responsabilidade Objetiva e Subjetiva do Empregador
Prefácio
Como é sabido, o principal objetivo do prefácio é apresentar ou justificar o texto de uma obra e, no presente caso, um trabalho científico, fruto de um estudo do jurista Enoque Ribeiro dos Santos a respeito de tormentoso tema do momento, intitulado pelo Autor como Responsabilidade Objetiva e Subjetiva do Empregador em face do Novo Código Civil.
Tivemos oportunidade de conhecê-lo quando, na senda do curso de pós-graduação stricto sensu, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, fomos honrados ao compor a Banca Examinadora de seu Doutorado, então apresentada com o título “A problemática da negociação coletiva de trabalho frente ao fenômeno da descoletivização”.
Na oportunidade em 2 de outubro de 2003, foi aprovado em razão de brilhante defesa de referida tese. Ali, vislumbrávamos o futuro de um especialista notoriamente vocacionado, quer para a docência, quer como pesquisador.
Hoje, no exato momento que elaboramos a apresentação de mais uma de suas obras, temos a constatação inegável de que, naquela oportunidade acertávamos: em tão exíguo espaço de tempo, tornou-se ele, por Concurso de Provas e Títulos, Professor Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo. Não bastasse, também por Concurso Público de Provas e Títulos, fora aprovado em 2º (segundo) lugar, para o cargo de Procurador do Trabalho, da respeitada e importantíssima instituição, qual seja o Ministério Público do Trabalho, tendo tomado posse no dia 9 de novembro de 2006.
Tais fatores engrandecem e dignificam a função do prefaciante, na exata medida em que outorgam-lhe maior responsabilidade. O convite para o prefácio de referida pesquisa científica não decorreu do acaso. Por ocasião do honroso convite, o próprio Autor referiu saber de nossos estudos e algumas publicações sobre o intrigante tema da responsabilização objetiva e subjetiva do empregador, ante as normas da Lei n. 10.406, de 10.1.2002, que inseriu no ordenamento jurídico pátrio o Novo Código Civil.
A respeito do assunto, conforme já tivemos oportunidade de ponderar, destacamos a súmula de nosso pensamento, em escritos diversos, e mais especificamente no que se refere às acertadas inovações constantes do art. 927 e seu parágrafo único do atual Código Civil.
Sobre o tema, em alguns ensaios escrevíamos que muitos estudiosos vislumbraram na lei nova um avanço em direção à responsabilização objetiva do empregador, conforme as circunstâncias, em especial ante o disposto no parágrafo único do art. 927, a saber: Parágrafo único. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Tem-se entendido que o novel dispositivo inseriu na legislação civil em exame a chamada teoria do risco criado, considerando-se, pois, que o dever de reparar o dano “surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios”. Cuida-se, então, de atividade potencialmente geradora de risco a terceiros. Não há confundir-se com outras teorias a respeito do risco, como v. g., a do risco integral (que exige, tão só, o nexo etiológico como condicionante do dever de indenizar), tampouco com a do risco proveito (fundamentada apenas na ideia da vantagem auferida pelo causador do dano), nem, ainda, com a dos atos normais e anormais (“medidos pelo padrão médio da sociedade”).
Ora, assim, torna-se induvidoso que em duas hipóteses a responsabilização do autor do dano será objetiva: a) nos casos especificados em lei; ou b) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo “autor do dano” implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Destarte, a questão que parece mais complexa será a análise do novo dispositivo e, especialmente, seu confronto — em casos de acidente do trabalho, ou de patologias de origem ocupacional, hipóteses que representam grande parte dos litígios no contexto ora em exame —, ante o disposto no art. 7º da Constituição Federal, que assegura, entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, em seu inciso XXVIII — “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Analisando as hipóteses inseridas no dispositivo do Código Civil supramencionado, Giovanni Ettore Nanni, exemplifica: “nos casos especificados em lei, como ocorre, por exemplo, na responsabilidade civil do Estado, nas relações de consumo, na legislação ambiental, nos acidentes aéreos, nos acidentes nucleares etc.”; [...] ou “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, logo preponderante e não esporádica e/ou eventual, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, que se pode citar, à luz da jurisprudência italiana em relação a dispositivo legal similar, o transporte marítimo de petróleo, o transporte e estocagem de combustível, a produção de explosivos, a produção e comercialização de fogos de artifício etc.”.
O mesmo autor argumenta, com razão, que em matéria de acidente do trabalho (e por extensão, de doenças de origem ocupacional), não há como aplicar-se a regra de lei ordinária — como estabelecido no parágrafo único do art. 927 do Código Civil —, quando a responsabilidade do empregador, em tal hipótese, por força da norma constitucional já mencionada alude, de forma expressa, à condição deste “incorrer em dolo ou culpa”. Em reforço de argumentação, salienta que quando o legislador constitucional desejou dispensar a demonstração de culpa do agente para fins de responsabilização, fê-lo de forma expressa, como no art. 21, inciso XXIII, c, verbis: “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”.
Cumpre observar assim que, quanto à principal questão levantada , — ou seja, as hipóteses de acidentes do trabalho e de doenças do trabalho —, prevalecem, como regra geral, os pressupostos tradicionais da responsabilidade civil, a saber: a) a ação ou omissão de qualquer pessoa que venha a acarretar dano a outrem; b) a ilicitude, consistente em culpa ou dolo do agente; c) a relação de causalidade, ou seja relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado; d) a ocorrência do dano, pois que, sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente.
O trabalho que ora temos a honra de apresentar, levou o Autor a profunda análise, a saber, as noções introdutórias sobre as responsabilidades objetiva e subjetiva ante o novo Código; percuciente análise da teoria do risco e a responsabilidade civil aplicáveis ao Direito do Trabalho; a responsabilidade objetiva e subjetiva da empresa na prática do Direito do Trabalho, assinalando-se a posição dos Tribunais do Trabalho; a responsabilidade da empresa e dos sócios ante as disposições do novo Código Civil; tudo seguido pelas conclusões do Autor.
A propósito, eis a súmula final do pensamento do pesquisador, com a qual concordamos: “Somente com o aprimoramento de nossos institutos, teremos condições de mitigar a perpetração de ofensas materiais e principalmente morais à pessoa do trabalhador, pois ela, dependendo da pessoa, atinge as profundezas do ser, o recôndito do espírito, aquilo que ele possui de mais íntimo, que deveria ser indevassável, e uma vez atingido, de forma violenta e injusta, dificilmente desaparece”.
Não resta, pois, qualquer dúvida a respeito da importância da obra que temos a honra de prefaciar. O jurista Enoque Ribeiro dos Santos apresenta mais um trabalho indispensável ao operador do Direito do Trabalho. Contribui ele, de forma notável para a compreensão do importantíssimo papel do Direito do Trabalho — ou mesmo do “Direito Social”, como enfatizava o saudoso Prof. Cesarino Júnior —, para a preservação dos Direitos Humanos na sociedade de trabalho pós-moderna.
Ari Possidônio Beltran
Advogado em São Paulo. Graduado, Mestre, Doutor e Livre Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor de Direito do Trabalho da FDUSP.Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, do Instituto de Direito Social Cesarino Júnior. Conselheiro da AASP — Associação dos Advogados de São Paulo. Ex-1º Secretário do Centro Acadêmico “XI de Agosto”.
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