Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI (Volume III)

Prefácio

A obra coletiva que o leitor encontra à frente é a expressão de uma feliz linhagem crítica do direito do trabalho, que se desenvolveu nas últimas décadas e que vem sobrevivendo e participando dos empreendimentos críticos e práticos em relação ao período de trevas que estamos mergulhados no presente.

Um exemplo, dentre tantos outros, é o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), impulsionado pela Profa. Gabriela Neves Delgado e cujo eixo central de atividade é oferecer elementos críticos para a reflexão e ação concreta em torno da defesa dos direitos do trabalho, especialmente nesta fase de enorme agressividade ultraneoliberal em que nos encontramos.

Em amplo diálogo com as ciências sociais, o Grupo procura melhor compreender os intensos processos de desumanização da humanidade, que encontra na degradação do trabalho um dos pilares de seu sistema de metabolismo social.

Essa temática, entretanto, como se sabe, é eivada de complexidade e de controvérsia. Não foi por acaso que, durante longevo período da história ocidental, a atividade laborativa fora concebida ora como fardo e sofrimento, ora como seu antípoda, isto é, como criação e libertação. Oscilando como um pêndulo do trabalho, como denominei em outra parte, a atividade laborativa oscilava entre o tripaliun e o mito prometêico. Dos gregos à Hegel, passando pelo pensamento cristão, o pêndulo do trabalho se manteve oscilante.

Foi somente no início da década de 1840 que floresceu uma magistral síntese, que rompeu definitivamente com o pensamento unilateralizante. Se Hegel deu um grande passo para a compreensão da dialética entre o senhor e o escravo, foi Marx, seu herdeiro mais rebelde, mais insubmisso e mais crítico que descortinou magistralmente a contradição quase indissolúvel presente no trabalho. Isto porque, tratando-se de uma atividade humana vital, segundo a proposição marxiana, ela carregava em sua concretude, tanto a criação, quanto a sujeição e também a destruição. Era o modo de vida e o modo de produção das coisas que desenhava, segundo as múltiplas peculiaridades da história, os contornos mais gerais da prevalência, seja da sujeição (como na escravidão), seja da criação (como deu-se de modo embrionário na era do Renascimento).

Se o trabalho se forjou desde os primórdios como expressão de uma atividade vital, necessária para o fazer-se e o tornar-se humano, ele adquiriu, ao longo da história e em particular, com o nascimento e expansão do capitalismo e da formamercadoria, “segunda natureza” que acabou por tolher o seu sentido original.

O valor do trabalho conformou-se, então, como um (des)valor, para que pudesse, sem peias e limites, dar fruição ao objetivo precípuo do sistema do capital, que é o de criar mais-valor. Não foi por outro motivo que Marx, desde muito jovem, em seus Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, asseverou que sob o sistema de salários, nem a classe trabalhadora e nem o trabalho conquistariam a sua dignidade e determinação humana.

Não são poucas as indagações que se arrastam pelo nosso tempo: se este valor se converteu em uma mercadoria (ainda que especial, pois é a única que cria riqueza), como lutar pela dignidade do trabalho? Como dotá-lo de direitos, se a cada invento informacional-digital, na era da chamada Indústria 4.0 (da “internet das coisas”, da inteligência artificial e do big data), sempre sob o comando das grandes corporações, o direito do trabalho (e também o direito ao trabalho) vem sendo cada vez mais dilapido e degradado? Não é exatamente esta processualidade que estamos presenciando nas grandes plataformas digitais, cuja alquimia vem sabendo combinar tão bem trabalho informacional com escravidão digital?

Essa breve digressão vem a propósito do tema central desta coleção. Dotado de um enorme esforço intelectual, este importante projeto acadêmico contempla três volumes com seus respectivos eixos temáticos, totalizando 72 (setenta e dois capítulos). Seguramente esta é uma obra que se tornará referência obrigatória para todos e todas que, seja no universo jurídico, seja no âmbito das humanidades em geral, se interessam e se dedicam a entender o porquê dos tantos vilipêndios, das tantas demolições e devastações que atingem o trabalho e os seus direitos, nesta era das trevas que estamos vivenciando.

A obra coletiva, como não poderia deixar de ser, contempla polêmicas, enfoques e perspectivas diferenciadas; traz autores e autoras consagrados conjuntamente com jovens pesquisadores e pesquisadoras que vem dando sequência e ampliando as polêmicas e os tantos desafios. E realiza, como já indicamos anteriormente, um diálogo profícuo entre a ciência do direito e as ciências humanas.

Não poderia, então, ser mais apropriado e feliz o presente que o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, ao comemorar seu primeiro decênio de vida, impulsionado pela dedicação incomum de Gabriela Neves Delgado, nos brinda com uma obra dessa envergadura.

 

Ricardo Antunes

Professor Titular de Sociologia do Trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

 

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