Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI (Volume III)

Introdução

O Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), completa 10 anos de existência em 2020, considerada a sua institucionalização em meados de 2010. Integrado por uma comunidade ampla de pesquisadoras e pesquisadores, alguns egressos da Faculdade de Direito da UnB, outros de diferentes regiões e universidades do país, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania se constitui na diversidade, reunindo estudiosos do mundo do trabalho e do Direito do Trabalho em suas experiências singulares de pesquisas para guiá-los ao coletivo. Também é retratado por uma composição fluida, fruto da mobilidade constante de seus pares, característica positiva e natural ao espaço universitário.

Em suas reuniões rotineiras, a experiência pedagógica se faz presente na dinâmica do ouvir e do falar, de perguntas e respostas, espaços em potencial onde o “eu” e o “outro”, espelhado e refletido, se transformam permanentemente. A tentativa de aproximação das pontas assegura fluxo às relações de pesquisa, além de engajamento para vivência de um saber comprometido e de qualidade, por onde brotam os sentidos de inclusão, reconhecimento, pertencimento e representatividade. Planos de aula preparados, leituras dirigidas, pesquisadoras e pesquisadores valorizados e muito aprendizado são, pois, um convite à presença e ao convívio entre gerações.

É nesse espaço em permanente construção que o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania também vivencia tomadas de decisões coletivas, abrindo novas frentes de atuação em busca da tutela do trabalho digno, centralizado e protegido. Nessa perspectiva, a partir de 2015, o Grupo aprimorou sua atuação extensionista, partindo do campo teórico para então se projetar em instâncias políticas e judiciais, em ações imbuídas de sentido e impacto social. Desde então, participa de audiências públicas e se dedica à atuação prática no Poder Judiciário, especialmente na Justiça do Trabalho.

Com um projeto piloto de atuação prática nos Tribunais Superiores, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania foi admitido, em 2016, como amicus curiae em Incidente de Recurso Repetitivo, no Tribunal Superior do Trabalho e, em 2018, como amicus curiae em Ação Direta de Inconstitucionalidade , no Supremo Tribunal Federal, registrando atuação pioneira entre os Grupos de Pesquisa da UnB e os Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho do Brasil.

Ainda no plano extensionista, voltado à atuação prática em primeiro grau de jurisdição, integra o NUPAJ (Núcleo de Pesquisa e Assistência Judicial Trabalhista), projeto interinstitucional formalizado entre a Universidade de Brasília (UnB), a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (EJUD-10) e a Defensoria Pública da União (DPU), com objetivo de desenvolver “cooperação acadêmica e prestação de atendimento de demandas trabalhistas e práticas de atos processuais pertinentes no Fórum do TRT da 10ª Região, em Brasília”.

Por acreditar-se em pesquisa universitária com história e significado, é que se deliberou pela elaboração de uma obra coletiva que pudesse representar os 10 anos do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania em suas interfaces de memória e projeções para o futuro. A ideia ganhou formato e foi prontamente acolhida pela comunidade acadêmica, que concebeu, no livro coletivo, um caminho de recordação e registro de seu patrimônio de pesquisa.

Contando com a participação expressiva de seus membros pesquisadores, os artigos científicos colacionados abrigam, em certa medida, a memória institucional das pesquisas em Direito do Trabalho desenvolvidas na Faculdade de Direito da UnB, num contexto de integração ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania. Nesse espaço, estão reunidos professores, estudantes da pós-graduação e graduação em Direito, num exercício de reflexão crítica sobre a categoria trabalho, especialmente a partir da perspectiva do Direito do Trabalho constitucionalizado.

Com uma agenda interdisciplinar, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania também procurou reverenciar algumas pesquisadoras e pesquisadores do mundo do trabalho e do Direito do Trabalho com quem dialoga frequentemente por meio de suas reflexões e doutrinas consolidadas, os quais foram convidados a se integrarem ao projeto com plena liberdade de expressão.

O convite para participação na coleção foi ainda estendido a alguns profissionais da Magistratura Trabalhista com os quais o Grupo de Pesquisa dialoga a partir do padrão de regulação judicial formulado em sentenças e acórdãos. É que, nos últimos anos, grande parte das pesquisas em Direito do Trabalho do Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB, cujas pesquisadoras e pesquisadores se vinculam ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, procuraram identificar a existência e a amplitude do padrão regulatório da Justiça do Trabalho.

Além disso, a obra coletiva incorpora a produção científica de pesquisadoras e pesquisadores do Grupo em coautoria com estudantes da graduação em Direito da UnB – e, portanto, ainda em processo de formação –, em parcerias firmadas com estrita observância e aderência às suas linhas de pesquisa. Essa proposta de produção científica intergeracional é condizente com os objetivos pedagógicos do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, que se notabiliza pelo investimento na formação de jovens pesquisadores.

Compreende-se que essa participação dialógica e interdisciplinar, prática pedagógica de todos os debates realizados nos bancos acadêmicos do Grupo, permite o entrecruzamento das pesquisas produzidas, além de ampliar os referenciais teóricos e metodológicos em busca de uma melhor compreensão das vertentes críticas da categoria trabalho.

Para assegurar aderência temática à obra coletiva, a categoria-chave do direito fundamental ao trabalho digno no século XXI foi indicada como referência guia da coletânea, fio condutor e de encadeamento de todo o repertório teórico ali apresentado, preservados, é claro, os espaços de autonomia intelectual. A escolha se justifica porque o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania reflete, desde a sua fundação, prioritariamente sobre os parâmetros de proteção ao trabalho humano na perspectiva constitucional, sendo os temas da dignidade humana e da dignidade no trabalho centrais à matriz formadora do Direito Constitucional do Trabalho brasileiro, respeitadas as chaves de leituras interdisciplinares.

A coleção está estruturada em três volumes, todos eles organicamente interrelacionados. O Primeiro Volume (Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI: Principiologia, Dimensões e Interfaces no Estado Democrático de Direito) está dividido em quatro partes, todas elas focadas nas perspectivas multifacetadas do direito fundamental ao trabalho digno. Procurou-se, nesse volume, demonstrar que a tutela ao direito fundamental ao trabalho digno apenas se concretiza quando há efetiva proteção às suas dimensões imanentes: o valor social do trabalho, a pessoa humana do trabalhador e o meio ambiente do trabalho.

A Parte I (Dimensões do Valor Social do Trabalho) trata da categoria jurídica “trabalho” enquanto direito edificado pelos princípios da centralidade, da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. A proposta de reflexão buscou reforçar a concepção de direito fundamental ao trabalho digno em suas relações com o conceito mais amplo de Estado Democrático de Direito, na perspectiva do Direito do Trabalho constitucionalizado e do Direito Internacional do Trabalho, com ênfase na atuação de vanguarda da OIT.

A Parte II (Dimensões do Sujeito Trabalhador) apresenta uma seleção detalhada de temas trabalhistas atuais sobre as dimensões constitucionalizadas do sujeito trabalhador e suas interseccionalidades. Nesta segunda parte também procurou-se refletir sobre a pessoa humana, individual e coletivamente considerada, enquanto ser de história, memória, cultura e narrativas. Afinal, a história do trabalho e a história do Direito do Trabalho são encarnadas por gentes e pelos múltiplos significados e particularidades levados às interações sociais.

A Parte III (Dimensões do Meio Ambiente do Trabalho) revela a dimensão socioambiental do direito fundamental ao trabalho digno, estruturada pela proteção integrada do direito à saúde no meio ambiente laboral e pelo direito ao meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado. Como contraponto, ainda foram analisadas as dinâmicas de violências e vulnerabilidades arquitetadas no trabalho e os possíveis mecanismos de tutela jurídico-constitucionais para combatê-las.

A Parte IV (Interfaces de Acesso à Justiça e de Regulação Judicial) analisa a  dimensão do acesso à justiça sob as perspectivas substancial e processual, além da regulação judicial promovida pelo STF quanto à interpretação e à aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito do Trabalho e, em especial, quanto aos direitos fundamentais trabalhistas proclamados na Constituição de 1988.

O Segundo Volume (Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI: Desafios e Reinterpretações para as Relações de Trabalho Rurais, Urbanas e de Serviços) está dividido em duas partes.

A Parte I (A Regulação Pública do Trabalho como Condição para Promoção do Direito Fundamental ao Trabalho Digno) introduz o tema da regulação pública do trabalho, a partir de interfaces entre a Economia do Trabalho e o Direito do Trabalho.

A Parte II (Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Universo Socioeconômico Brasileiro) apresenta um variado cenário de relações de trabalho, perpassando os segmentos rural, industrial e de serviços, com o desafio de se pensar como a referência constitucionalizada do direito fundamental ao trabalho digno é (ou não) articulada nessas relações e em que medida. Nessa parte, procurou-se dar concretude ao conceito de direito fundamental ao trabalho digno.

O Terceiro Volume (Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI: Desafios e Ressignificações para as Relações de Trabalho da Era Digital) conta com duas subdivisões.

A Parte I (Direito Fundamental ao Trabalho Digno na 4ª Revolução Tecnológica) é voltada à análise descritiva do mundo do trabalho da era digital, com uma tentativa de intelecção sobre os possíveis caminhos de proteção ao trabalho para o terceiro milênio.

A Parte II (Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Universo dos Algoritmos e das Plataformas Digitais) apresenta reflexões sobre o possível enquadramento jurídico dos trabalhadores inseridos em relações de trabalho da indústria 4.0, na linha de análise do direito fundamental ao trabalho digno. Houve grande preocupação em se pensar qual deve ser o sentido de proteção justrabalhista diante das novas morfologias do trabalho. Com respeito às categorias próprias do Direito e das Ciências Humanas, os artigos questionam as ações e as responsabilidades na era digital; problematizam o sistema jurídico de proteção ao trabalho e procuram, na medida do possível, sinalizar caminhos e parâmetros civilizatórios.

Enfim, o conjunto da obra, em seus três grandes volumes, comprova que a dignidade no trabalho apresenta múltiplas e complexas projeções, sendo, por essência, uma temática interdisciplinar. Não há, portanto, qualquer pretensão de se esgotar as reflexões a respeito. O que se pretendeu, em síntese, foi reforçar a sua centralidade na matriz do sistema jurídico brasileiro, sobretudo considerada a perspectiva do Direito do Trabalho constitucionalizado, além dos importantíssimos contributos teóricos provenientes das humanidades em geral.

Para evitar discursos retóricos sobre o direito à dignidade no trabalho, todas as autoras e autores que analisaram relações de trabalho específicas, inclusive no panorama da indústria 4.0, foram desafiados a pensar e a articular a categoria da dignidade no trabalho prospectivamente, propondo alternativas concretas para a estruturação de um sistema justrabalhista orientado por marcos civilizatórios de proteção ao trabalho para o século XXI. Esse desafio tornou-se particularmente relevante, porque muitas das relações de trabalho atuais são desenvolvidas em espaços de informalidade ampliada e de precarização desmedida.

Assim, a coleção cumpre o objetivo para o qual foi estruturada. No conjunto, preserva e abriga a memória científica do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania em sua primeira década de existência (2010-2020), além de delinear propostas de proteção em busca de uma realidade filtrada pelos pressupostos da dignidade humana e do direito fundamental ao trabalho digno.

Para além do conteúdo armazenado nos textos escritos, a obra coletiva ainda permitiu, nas entrelinhas, uma experiência de comunhão da diversidade. Ao todo são 72 artigos e quase uma centena de autoras e autores que, em artigos individuais ou coletivos, respeitadas as particularidades e preferências teóricas, vivenciaram dinâmicas intelectuais de pesquisa e reflexão, mobilizados pela comemoração dos 10 anos do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB.

Fica aqui registrado meu profundo reconhecimento a todas e todos os coautores por se integrarem ao projeto coletivo, oferecendo contribuições valiosas em direção a uma abordagem crítica do mundo do trabalho e do Direito do Trabalho, a partir do referencial teórico proposto – o direito fundamental ao trabalho digno no século XXI.

Agradeço-lhes pelo ofício da escrita que pauta, critica, interroga e, portanto, amplia a visão de mundo. Agradeço, ainda, à UnB, por ser espaço que fertiliza.

À Professora Dra. Márcia Abrahão Moura, Reitora da Universidade de Brasília (UnB) na gestão 2016-2020, e reeleita pela comunidade acadêmica para o período 2020-2024, pela deferência de apresentar esta obra coletiva.

Primeira mulher a exercer o cargo de reitora na instituição, tem se destacado na defesa da universidade pública brasileira como um espaço educacional privilegiadamente pluralista, inclusivo e democrático.

Ao Professor Dr. Ricardo Antunes, Professor Titular de Sociologia do Trabalho no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP), por nos conceder a honra de prefaciar esta coleção. Suas investigações no campo da Sociologia do Trabalho são referência decisiva para o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania. Nessa direção, também estendo meus cumprimentos às pesquisadoras e aos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, coordenado pelo Professor Ricardo Antunes, que também participaram deste projeto coletivo, desafiados a pensar categorias típicas do Direito do Trabalho integrando-as às suas pesquisas sociológicas. Ao Prêmio Nobel da Paz em 2014, Kailash Satyarthi, pela generosidade de nos conceder o texto da epígrafe e da quarta capa desta obra coletiva com uma mensagem humanista e universal de proteção ao trabalho. Sua participação foi para nós uma honra incomensurável.

Ao Ministro Lelio Bentes Corrêa e à Ministra Delaíde Miranda Arantes, ambos do TST, pelo apoio imprescindível na interlocução com o Prêmio Nobel da Paz. Nesse sentido, agradeço também à Julia Loures Nunes, servidora do TST, pela articulação cordata e eficiente junto à assessoria de Kailash Satyarthi. Ao Professor Dr. Ricardo José Macedo de Britto Pereira, pela amizade e pela parceria profissional inestimável junto à coordenação do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania.

Agradeço, com afeto e profundo respeito, aos amigos Cristiano Paixão, Menelick de Carvalho Netto, Marthius Sávio Lobato, Noemia Porto, Paulo Henrique Blair, Ricardo José Macedo de Britto Pereira e Ricardo Lourenço Filho, membros fundadores do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, que comigo idealizaram sua constituição na Faculdade de Direito da UnB.

À pesquisadora Valéria de Oliveira Dias, pelo apoio decisivo no processo de compilação da obra coletiva, bem como às pesquisadoras Ana Luísa Gonçalves Rocha e Lília Finelli, pela contribuição valiosa no processo de revisão dos elementos pré-textuais.

À LTr Editora e à sua Editora-Chefe, Beatriz Casimiro Costa, pela abertura e incentivo à publicação desta obra coletiva em respeito à proposta metodológica e ao conteúdo apresentados. Estendo meus cumprimentos à Luana Brandão, chefe do editorial da LTr.

Finalmente, expresso meu afeto e sinceros agradecimentos às pesquisadoras e aos pesquisadores que dão voz ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania, por fazerem do ensino, da pesquisa e da extensão em Direito do Trabalho uma das expressões mais significativas e pulsantes da vida universitária da Faculdade de Direito da UnB.

 

Brasília, outubro de 2020.

 

Gabriela Neves Delgado

Professora Associada de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília -UnB. Pesquisadora Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania - UnB/CNPq. Pós-Doutorado em “Desigualdades Globais e Justiça Social” pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO /Brasil. Pós-Doutorado em Sociologia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Advogada.

 

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