O direito à sadia qualidade de vida dos trabalhadores de aplicativos

O direito à sadia qualidade de vida dos trabalhadores de aplicativos

Revista LTr | Junho de 2022

Por Sandro Nahmias Melo;

O mundo do trabalho mudou. Teve seus elementos — materiais e, em especial, imateriais — ampliados e alterados pelos avanços tecnológicos. Estas mudanças, imperioso registrar, foram acelaradas e multiplicadas no período pandêmico da COVID-19, em cenário no qual ocorreu, de forma exponecial, o crescimento do labor por trabalhadores de aplicativos. Neste particular, a ideia de total autonomia dos trabalhadores vinculados às plataformas de prestação de serviços não se coaduna com realidade atual da economia de compartilhamento.

Algoritmos desenvolvidos para gerenciar o trabalho humano priorizam as metas das plataformas de serviços, sem considerar os custos materiais e pessoais do trabalhador. Defende-se, neste ensaio, que o trabalhador de aplicativo não é sujeito desprovido de direitos, ainda que considerado autônomo. Ao contrário, faz jus a um piso vital mínino de direitos, entre eles, e com destaque, o direito à sadia qualidade de vida no meio ambiente do trabalho.

* * *

The world of work has changed. Its elements — material and, especially, immaterial — have been expanded and altered by technological advances. These changes, it must be noted, were accelerated and multiplied in the pandemic period of COVID-19, in a scenario in which there was, exponentially, the growth of work by app workers. In this particular case, the idea of total autonomy of workers linked to service provision platforms is not in line with the current reality of the sharing economy. Algorithms developed to manage human labor prioritize the goals of the service platforms, without considering the worker’s material and personal costs. This essay argues that the application worker is not a subject without rights, even if considered autonomous. On the contrary, he is entitled to a minimum vital floor of rights, among them the right to a healthy quality of life in the working environment.

Ano 86 | Volume 6 | Página 722

 

Palavras-chave

Algoritmo; Uber; trabalhador de aplicativo; direito à saúde; lgorithm; app worker; right to health.

 

Sumário

1. O trabalho no contexto pós-pandemia;

2. Direito ambiental do trabalho;

3. Uberização e suas leis internas;

4. Meio ambiente do trabalho do trabalhador de aplicativos em tempos de pandemia;

5. Jornadas extenuantes, a gênese do Direito do Trabalho e o Direito à sadia qualidade de vida;

6. O direito de beber água e a Lei n. 14.297/2022 ;

7. Considerações finais.

Referências.

 

O trabalho no contexto pós-pandemia

Após o caos pandêmico de 2021 (1) , o trabalho, o modo de se trabalhar e as relações de trabalho tiveram mudanças significativas, em uma velocidade poucas vezes vista na história. Nas últimas décadas houve uma revolução social causada pelos avanços tecnológicos, com a inserção de meios de comunicação de última geração (internet, televisão, satélites, computadores, telefones celulares) que alteraram a forma de agir e de pensar, modificaram os padrões de consumo, influenciaram política, economia e, como não poderia deixar de ser, refletiram nas relações e condições de trabalho. O mundo mudou. São tempos modernos.

A pandemia da COVID-19 potencializou a velocidade de algumas mudanças. Na verdade, as mudanças no âmbito das comunicações, no contexto do trabalho remoto, foram catapultadas nestes anos pandêmicos, ao infinito e além.

Segundo pesquisa conduzida pelo site Metrópoles as experiências virtuais aceleraram 7 anos em 1 nos últimos 18 meses Os muros existentes entre os ambientes casa/trabalho ruíram. Cada vez mais a expressão “trajeto casa-rabalho-casa” está perdendo o sentido. Entramos também na era do hiper-trabalho, ilustrado pelo acrônimo ATAWAD, para AnyTime, AnyWhere, AnyDevice. O equilíbrio da vida profissional e pessoal está se tornando um dos principais tópicos da sociedade. Com os avanços tecnológicos, trabalha-se a partir de qualquer lugar e em qualquer horário.

Realmente, tempos mais que modernos. Empresas — grandes e pequenas — e órgãos públicos (3) em geral que, antes da pandemia, resistiam teimosamente ao trabalho em regime de home office, entendendo como essencial, regra geral, o trabalho presencial, viram a exceção do trabalho remoto tornar-se regra. Uma regra que, ao que tudo indica, parece que veio para ficar.

Ora, na quarentena possível, trabalhar em casa tem sido um privilégio sim, mas não sem ônus. As fronteiras entre trabalho, lazer e descanso, já comprometidas antes da Covid-19, desmoronaram. As demandas para um trabalhador em home office nunca foram tão grandes. Esta conjunção tecnológica/pandêmica tornou-se terreno fértil para o crescimento exponencial de outra modalidade de trabalho: o trabalho intermediado por plataformas de aplicativos. Atualmente, o trabalhador por aplicativos está inserido no cotidiano, direta ou indiretamente, de todo cidadão brasileiro. Uber, 99, iFood, Uber Eats, são tão conhecidos quanto os grandes canais de TV aberta e mudaram radicalmente o conceito de transporte de pessoas e coisas.

Aqui uma marca distintiva aparece de forma recorrente entre estes 02 novos modelos de trabalho: a relação de emprego e, portanto, o reconhecimento de direitos básicos e protetivos da saúde do trabalhador, tais como limite de jornada de trabalho, salário fixo e higidez no meio ambiente de trabalho. Ora, enquanto no teletrabalho ou trabalho remoto a regra ainda é o reconhecimento de vínculo empregatício, no trabalho intermediado por plataformas de aplicativos este vínculo constitui exceção. Assim, considerando o número expressivo e crescente de trabalhadores nesta modalidade necessário refletir se os mesmos, ainda que não empregados, são desprovidos de direitos trabalhistas ou, no limite, são desprovidos do direito à sadia qualidade de vida no meio ambiente do trabalho.

A reflexão ora posta é urgente. As elevadas taxasde desemprego combinadas com um isolamentosocial necessário obrigaram um contingente adicional de 11,4 milhões de brasileiros a recorrer aos aplicativos para garantir uma parcela ou a totalidade de sua renda, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva obtida pelo Estadão.

Segundo a referida pesquisa, com esse crescimento, o Brasil tinha em 2021 aproximadamente 20% de sua população adulta — o equivalente a 32,4 milhões de pessoas — utilizando algum tipo de aplicativo para trabalhar. Em fevereiro de 2020 — ou seja, antes do início da pandemia de COVID-19 —, essa fatia era de 13%. Apesar do gigantismo dos números, as condições de trabalho destes “parceiros” de aplicativos remetem a condições de labor da 1ª Revolução  Industrial.

Uma dessas condições tem sido constante: uma extenuante jornada de trabalho. Situações tão agudas que implicaram em manifestações coletivas de clamor por melhores condições de trabalho, o chamado “breque dos apps”.

Entende-se que os avanços tecnológicos e a pandemia, todavia, não podem legitimar a sistemática precarização do trabalho prestado através de aplicativos. O direito à sadia qualidade de todo trabalhador, empregado ao não, precisam ter seu núcleo essencial preservado. A defesa deste direito, em prol do trabalhador de aplicativos, constitui o eixo central do presente texto.

 

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