Tributo de Gratidão e Homenagem ao Professor Cássio de Mesquita Barros Jr.

Tributo de Gratidão e Homenagem ao Professor Cássio de Mesquita Barros Jr.

A comunidade acadêmica está de luto. Foi surpreendida com a notícia do falecimento do professor Cássio de Mesquita Barros Jr., no dia 20 de junho de 2022. Além de professor de escol, foi jurista festejado, grande humanista e mestre inspirador, modelo e referência para os que se dedicam à causa da justiça.

Como professor, formou gerações de juristas, por meio de suas aulas, livros, conferências, participação em centenas de bancas de mestrado e doutorado e, em especial, por suas lições de vida. Eu mesmo conheci o professor Cássio em 1971, quando fui seu aluno de Direito do Trabalho, no 3º ano da Faculdade de Direito, da PUC/SP. Na ocasião, ele era substituto do professor Ruy de Azevedo Sodré.

Luiz Carlos A. Robortella, quando saudou o professor Cássio em evento promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo, lembrou que a leitura da obra do Professor Cássio é “um exercício de transformação pessoal”, pois tinha “independência intelectual e neutralidade científica”. E assim concluiu: “Conhecer sua obra é fugir da mediocridade”. Ele jamais cedeu a armadilhas ideológicas nem foi seduzido pela fogueira das vaidades, como acontece nas melhores Academias.

Como advogado, abriu caminho aos que se iniciavam no intrincado e desafiador sacerdócio da advocacia trabalhista. Ensinava com seu próprio exemplo de advogado de sucesso, e seu renomado escritório era o grande palco dessas grandes transformações. Era advogado respeitado perante os Tribunais onde atuava e aplaudido pelos seus pares.

Assim que me formei, fui trabalhar no escritório do Professor Cássio (01.02.1974), o renomado Mesquita Barros e Advogados, fundado em 1950. Em 1936, seu tio dera início a essa grande empreitada. Eram seus clientes grandes empresas brasileiras e multinacionais, da época. Além de consultoria, cuidava do contencioso trabalhista. Contava, para tanto, com dezenas de advogados, estagiários e muitos auxiliares, em especial com muitas datilógrafas, quando ainda sequer se imaginava a revolução dos meios de comunicação e do computador em especial. Talvez nenhum escritório, à época, reunisse tantos advogados dos quais muitos se destacariam depois no cenário político e acadêmico, como o Luiz Carlos A. Robortella, atual presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, apenas para citar um entre tantos, todos sob a batuta e coordenação do Professor Cássio, em parceria com o não menos renomado professor Octavio Bueno Magano.

Foi nesse grande laboratório que aprendi, na prática, o que o Professor Cássio me ensinou na teoria. Depois, tive o privilégio de ser arguido por ele nas minhas bancas de doutorado, livre-docência e professor titular. Fomos colegas do Departamento de Direito do Trabalho, da Faculdade de Direito, do Largo São Francisco, até ele se aposentar. Tive também o privilégio de sucedê-lo na chefia do Departamento.

O professor Cássio também era um verdadeiro humanista e um democrata. Mais que escritos, nos ensinou a todos, com sua cultura, elegância e diplomacia. Um verdadeiro gentleman, estava sempre alegre e de bem com a vida, e como ninguém contava piadas engraçadas e era um exemplo de vida. Era extremamente ético e cordial, e ao mesmo tempo elegante e duro com seus ex adversos, pois era intransigente na defesa dos interesses de seus clientes. Um humanista por excelência e um defensor ferrenho da democracia e dos valores republicanos. Enfrentou o regime militar, não se intimidando para encontrar, em vão, Rubens Paiva, irmão de sua esposa Maria Lúcia. Rubens foi brutalmente assassinado pela ditadura militar, tendo desaparecido em janeiro de 1971.

A tortura e assassinato vieram à tona quando da publicação, 40 anos depois, do relatório da Comissão da Verdade. O professor Cássio era formado pela mais tradicional e agora quase bicentenária Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP (Turma de 1954). Nessa mesma Faculdade, fez sua carreira acadêmica, tendo como inspirador seu mestre e mestre de todos nós A. F. Cesarino Jr. Além do concurso para ingresso, fez outros quatro concursos públicos: mestrado, doutorado, livre-docência e titularidade. Fez seu mestrado (1961- 1965), quando ainda não havia orientador e a área escolhida por ele foi  “Especialização em Economia, Legislação Social e Teoria Geral do Estado. Fez o doutorado (1970-1973) e obteve o título de doutor, com a defesa da tese “Previdência Social Rural “. Seu título de Livre-docência resultou da tese “Transferência de empregados e a Lei n. 6.2013/1075” (1977). Por fim, coroando sua carreira acadêmica, foi nomeado titular, concorrendo à cátedra com o saudoso professor Pedro Vidal Neto, quando defendeu a tese “Perspectivas do Direito do Trabalho no Mercosul” (1993). Suas teses foram publicadas – hoje livros de referência, de consulta obrigatória, além de centenas de artigos científicos, publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Esse precioso acervo credencia o Professor Cássio como um dos maiores expoentes do Direito do Trabalho, no Brasil.

O professor Cássio foi também vice-diretor da Faculdade de Direito, da USP (1998) e presidente da Fundação Arcadas (1999), de apoio à Faculdade de Direito do Largo São Francisco, sendo seu grande idealizador, incentivador e primeiro presidente. Quando se aposentou, optou por continuar na USP, na condição de professor sênior.

O professor Cássio foi docente em diversas outras Universidades, destacando-se como professor titular da Faculdade de Direito, da Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação (1986 a 2012). Foi também professor titular da Faculdade Católica de Santos (1969-1972) e professor permanente da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Exibe, em seu currículo, ainda, o título de doutor honoris causa, da Universidade San Martin de Porres (Peru) e da universidade de Bucarest (Romênia. Teve participação ativa na fundação da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, em 04.12.1979, e depois na sua consolidação. Foi seu 3º presidente, tendo sucedido Arnaldo Lopes Süssekind e Amauri Mascaro Nascimento. Ocupou a cadeira n.17, cujo patrono era Ruy de Azevedo Sodré.

Foi Delegado Regional, em São Paulo, do MEC – Ministério da Educação e Cultura, quando era ministro da Educação e Cultura o então senador Carlos Alberto Gomes Chiarelli. Entre suas mais importantes missões institucionais, destaca-se sua atuação como membro da Comissão de Peritos da OIT. Verdadeiro diplomata e profundo conhecedor do Direito do Trabalho, representou o Brasil, naquela instituição internacional, por mais de dezesseis anos. Conseguiu ver a realidade brasileira e o modelo de relações trabalhistas sob outra perspectiva, convencendo-se de que “a solução não está na lei, mas na negociação coletiva”.

O Professor Cássio era reconhecido como jurista de escol, no Brasil e fora dele, tendo integrado diversas instituições nacionais e internacionais e convivido com grandes professores de Direito do Trabalho, da América Latina e Europa. Organizou diversos congressos, no Brasil e América, tendo-se destacado como presidente da Associação Iberoamericana de Direito do Trabalho. Graças ao apoio incondicional e incentivo, uma das mais prestigiadas revistas da área trabalhista, editada pela LTr, foi por ele alavancada, contando hoje com mais de sessenta mil assinantes.

Foi um marido exemplar, ao lado de sua amável companheira Maria Lúcia e de sua filha Ana Paula, hoje responsável pela continuidade do escritório do pai. Deu exemplo de resignação quando perdeu seu filho Cássio, de forma prematura. Tinha amor profundo pelos netos José Carlos e Maria Gabriela. Recebia como ninguém em sua casa, sempre lotada pelos amigos de todos os cantos. O Professor Cássio ficará sempre na nossa memória e será sempre festejado pela Academia. Como prova inequívoca do respeito e profunda admiração, o 12º Congresso Regional Americano (14 a 16 de setembro de 2022), em conjunto com o 12º Congresso Internacional da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, promovidos pela Sociedade Internacional de Direito do Trabalho e Seguridade Social em conjunto com a Academia Brasileira, será em memória do Professor Cássio.

O Professor Cássio deixa um legado que o torna imortal, fonte perene de inspiração para as gerações atuais e futuras. Ele orgulhosamente ocupa lugar de destaque na galeria dos grandes juslaboralistas brasileiros, ao lado de ídolos como Cesarino Jr., Ruy de Azevedo Sodré, Amauri Mascaro Nascimento, Octavio Bueno Magno e tantos outros. Graças a esses gigantes, o Direito do Trabalho continuará sua missão de construir a paz, na conciliação necessária e possível de interesses opostos, em tempos de tantas fraturas e radicalismos.

 

Nelson Mannrich

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito, pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Titular de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP (aposentado). Coordenador do grupo de estudos GETRAB-USP. Presidente honorário e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Secretário Geral e membro da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

 

 

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