Direito Individual do Trabalho | Autônomo
Por André Rodrigues Schioser
Como muitas mudanças trazidas pela Lei n. 13.467/2017, a discussão sobre a possibilidade de as empresas demitirem seus empregados e os recontratarem por meio de suas eventuais pessoas jurídicas (“PJs”), fenômeno conhecido no âmbito da Justiça do Trabalho como “pejotização”, ganhou novos contornos.
Com efeito, a Reforma Trabalhista, em seu art. 442-B, previu que, uma vez cumpridos os requisitos legais para a contratação de um trabalhador autônomo, não restaria configurada a qualidade de empregado. In verbis: Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.
Daí porque, num primeiro momento, acreditou-se que a nova legislação permitiria a contratação sem vínculo empregatício tanto de trabalhadores autônomos como de PJs (ainda que sejam figuras jurídicas distintas), constituídas pelos trabalhadores para essa finalidade, desde que cumpridas as formalidades legais.
Some-se a isso o contexto anterior de avanço legislativo no campo da terceirização, advindo da Lei n. 13.429/2017(1), que passou a validar a terceirização da atividade-fim e acabou por reforçar a dúvida inicialmente apresentada pelo empresariado quanto à possibilidade de “pejotização” dos empregados.
Ora, considerando que:
(i) seria possível terceirizar a atividade fim; e
(ii) a contratação, cumpridas as formalidades legais, de autônomos, com ou sem exclusividade, afasta a qualidade de empregado, realmente é de se questionar por
qual motivo não seria possível “pejotizar” os empregados?
Como muitas das dúvidas que surgiram com a Lei n. 13.467/2017, a resposta não é simples. Pela simples leitura dos artigos mencionados acima, a resposta mais simplória seria positiva, ou seja, “sim”, seria possível “pejotizar” os empregados.
No entanto, há três argumentos, que serão expostos a seguir, que nos levam a responder tal indagação de forma negativa.
Em primeiro lugar, a própria Reforma Trabalhista previu uma quarentena de 18 (dezoito) meses para contratação de PJs que tenham, como titulares ou sócios, empregados que tenham prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício. Confiram-se, nesse sentido, as redações dos arts. 5o-C e 5o-D da Lei n. 13.467/2017:
Art. 5o-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.
Art. 5o-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.
Em segundo lugar, o art. 3o da CLT(2) permanece válido e deve ser interpretado de forma sistêmica com as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista. Assim, a contratação de ex-empregados como PJs, mesmo após os 18 (dezoito) meses,
poderá trazer riscos de ajuizamento de reclamatórias pleiteando o reconhecimento do vínculo empregatício e, em tais casos, a configuração, ou não, do vínculo, sempre dependerá, principalmente, da subordinação jurídica uma vez que a presença dos demais elementos do referido art. 3o da CLT (habitualidade, onerosidade e pessoalidade) também são encontrados em outras relações jurídicas de natureza cível e autônoma.
Por fim, em terceiro lugar, não há, na lei, uma definição clara e precisa do que seriam as “formalidades legais” para a contratação de autônomos. Seria a sua inscrição na prefeitura? Seria um contrato escrito? Com um cenário de instabilidade jurídica e política, responder com exatidão quais seriam tais formalidade é extremamente difícil. Mais difícil ainda seria responder quais seriam as “formalidades legais” para contratação de uma PJ, que não está taxativamente citada no art. 442-B.
Em outras palavras, não obstante o fato de as inovações legislativas mitigarem o risco, apenas a realidade vivenciada entre as partes num caso concreto poderá atestar a inexistência de subordinação entre PJs e a empresa contratante, pois o Direito do Trabalho se pauta pelo princípio da primazia da realidade.
Com tal negativa, a próxima pergunta que se deve fazer é: “depois da quarentena dos arts. 5o-C e 5o-D, é possível “pejotizar” ex-empregados ou ex-empregados aposentados sem risco?”. E a resposta é igualmente negativa para ambos, pois, como dito anteriormente, ainda que respeitemos a quarentena estabelecida, o princípio da primazia da realidade permanece válido, podendo ser aplicado para o reconhecimento de vínculo empregatício ainda que sejam seguidas todas as formalidades legais.
A diferença, nestes casos, é que não haveria uma presunção de fraude pelo desrespeito à quarentena (ou seja, o cenário é um pouco melhor), mas o risco de reconhecimento do vínculo continuaria existindo.
Esse e outros artigos fazem parte da obra digital "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista: Atualizada com a Minirreforma Trabalhista"
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Sobre a obra
Cerca de 200 (duzentas) personalidades do Direito do Trabalho e de reconhecida competência que aceitaram a missão de elaborar uma pergunta e uma resposta de algum dos temas atingidos pela reforma e minirreforma trabalhistas. A divisão da obra se deu, aliás, de acordo com o tipo de questionamento enfrentado, ou seja, se referente ao direito individual, coletivo ou processual do trabalho.A novidades trazidas pela Lei da Reforma, assim como na Minirreforma Trabalhista, não são pacíficas. Ao revés, conforme se poderá notar ao longo desta obra, alguns dos coautores são mais entusiasmados com a nova legislação, ao passo que outros, nem tanto. E, assim, longe de tentar elogiar ou criticar a nova legislação trabalhista, cada coautor se dedicou a responder — com total liberdade e de maneira objetiva — a pergunta que lhe foi colocada. Optou-se, portanto, por prestigiar a forma didática e uma linguagem acessível ao público em geral, sendo que cada coautor estava limitado a certo número de caracteres nas suas respectivas respostas.
Coordenadores
Ricardo Calcini
Professor Universitário. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura (TJ/SP). Especialista em Direito Social pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor de mais de 100 artigos jurídicos e coautor em obras jurídicas.
Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
Advogado. Mestre em Direito das Relações Sociais com ênfase em Direito do Trabalho Coletivo e Individual pela PUC-SP. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo COGEAE – PUC-SP. Ex-tensão em Liderança Sindical Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – GV – Law de São Paulo – FGV. Autor de diversos livros ligados à área trabalhista. Sócio de Focaccia, Amaral e Lamonica Advogados (FAS Advogados).