Economia digital e padrão ESG: O capitalismo colaborativo

Economia digital e padrão ESG: O capitalismo colaborativo

Apresentação 

Revista LTr | Julho de 2022 

A Revista LTr é um dos mais clássicos e nobres veículos de divulgação de ideias e estudos sobre as relações de trabalho no Brasil. Para abertura deste número de agosto de 2022, trago reflexões sobre o papel da empresa moderna na formulação das políticas sociais, econômicas e ambientais.

O direito do trabalho, em sua concepção moderna, é instrumento de síntese dos interesses comuns ao capital, ao trabalho e à sociedade. Não se destina apenas a compensar a inferioridade econômica do trabalhador, mas também a organizar a produção. Ao lado da proteção e redistribuição da riqueza, é o direito que regula as relações de produção.

A enorme distância, no plano normativo, social e econômico, entre empregados e desempregados, típicos e atípicos, permanentes e precários, formais e informais, leva à grande questão do nosso tempo: inclusão versus exclusão. Com o formidável impacto da economia digital nas formas de produzir e de trabalhar, o direito do trabalho só sobreviverá na medida em que se transforme em “direito do mercado de trabalho”, deixando de se concentrar no empregado clássico, hoje em decadência no mundo. Deve redistribuir essa proteção entre os demais trabalhadores, especialmente os vulneráveis, a fim de que o sistema normativo seja efetivamente justo.

A tecnologia é condição necessária para o acesso ao trabalho e ao progresso; sem ela teríamos verdadeiro caos político, econômico, social e ambiental. Países que não a produzem ou não a adquirem estão condenados à exclusão.

A tecnologia nos mantém conectados às plataformas digitais em nossos diversos egos sociológicos como investidores, trabalhadores e consumidores. No campo do trabalho não podemos ignorar e muito menos reprimir formas atípicas de prestação de serviços. A empresa moderna está cercada por dezenas, centenas ou milhares de fornecedores de bens e serviços. Usa intensamente trabalho autônomo, temporário, intermitente, avulso e precário. As plataformas promovem inúmeros tipos de prestação de serviços.

Essa realidade impõe uma regulação plurinormativa aplicável a todos os trabalhadores e não apenas aos empregados, assentada em quatro pressupostos:

a) estrutura legal com normas básicas de proteção dos direitos humanos;

b) negociação coletiva;

c) práticas de governança corporativa;

d) proteção do meio ambiente.

Definitivamente, após a pandemia nunca mais seremos os mesmos. Foi atingido o cerne do sistema de produção, o que exige estímulo a formas de capitalismo colaborativo. A proteção à saúde criou barreiras entre os países, exacerbando a xenofobia e a discriminação étnica, fomentando o trabalho digital nos planos nacional e internacional. A concorrência cresceu entre trabalhadores nacionais e estrangeiros. Os níveis de desocupação e de pobreza são inquietantes.

Há aumento significativo do intervencionismo estatal, com programas de renda mínima e investimento para combater a desigualdade em todo o mundo. Até nos países menos desenvolvidos, programas de renda mínima universal deixaram de ser uma utopia. Os modelos políticos só sobreviverão se combinarem eficiência econômica, eficácia social e sustentabilidade. O conhecido conceito de economia social de mercado agregou dois valores que a realidade nos impõe: a saúde e o meio ambiente.

A riqueza das nações é medida pelo respeito aos direitos humanos, à ecologia e à ética nos negócios. O capitalismo moderno não se preocupa apenas com o lucro, mas também com os meios pelos quais é alcançado, mediante instrumentos de  compliance. A empresa deve gerar valor para todos que a compõem: investidores, trabalhadores, fornecedores, consumidores e a comunidade.

É o capitalismo de stakeholders, que supera o interesse do acionista (shareholder) porque se baseia em compromissos éticos com a sociedade e a força de trabalho. Desde o Fórum Econômico de Davos de 2020, o padrão ESG (environment, social and governance) vem dominando os debates ao impor respeito a regras ambientais, sociais e corporativas que constituem o núcleo do capitalismo colaborativo.

O padrão ESG institui uma economia comportamental que aumenta o padrão de socialização da empresa para atender aos interesses e valores nela envolvidos. Torna mais visível e indissociável a faceta institucional da empresa ao expandir suas obrigações com a sociedade.

Essa responsabilidade envolve integração voluntária dos interesses dos parceiros de cadeia produtiva e de consumo. Não se trata apenas de governança corporativa. É uma postura cívica que interfere no conceito jurídico de empresa e revaloriza seu caráter institucional. É inaceitável o sacrifício dos direitos humanos e da natureza. Os novos desafios ambientais, sociais e de governança exigem códigos de boas práticas corporativas.

Em 2006 a OIT adotou a “Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Justa”, que defende o equilíbrio entre os níveis de proteção do trabalho, avaliando as vantagens comparativas entre os países. No processo de institucionalização da responsabilidade social, não basta à empresa ser cumpridora das leis, cabendo-lhe assumir compromissos éticos e de governança. A autorregulação, associada a bom sistema de negociação com os sindicatos, cria um direito  flexível ou “soft law” cujo descumprimento acarreta consequências nefastas para a imagem e reputação da empresa.

A certificação ISO 26000, criada em 2010 com base na responsabilidade corporativa, exige respeito à natureza e aos direitos humanos no trabalho. A empresa e seus empregados, subcontratados, franqueados, fornecedores de bens e serviços, além dos consumidores, são componentes de um sistema de produção e consumo.

O pluralismo na produção das normas através da lei estatal, da negociação coletiva e dos códigos empresariais estimula formas próprias e éticas de produzir riqueza.

Essa parceria contribui para uma sociedade, sem negar os conflitos inerentes, onde Estado, empresas, trabalhadores e consumidores tenham papel efetivo e equilibrado na busca do progresso social e econômico sustentável.

 

Luiz Carlos Amorim Robortella

Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (2022-2024)

 

 

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